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Os ferozes pacifistas


Por Gustavo Corção,

publicado n’o Globo em 19 de outubro de 1972


A HISTÓRIA recente prova que não há casta de homens mais ferozes do que a dos pacifistas. Veio-me esta ideia da leitura casual e entediada de uma página da ICI, nº 407, de 1.5.72, onde se vê "Dom Hélder Câmara à Utrecht".


DUAS palavras sobre a ICI. Tenho aversão a siglas desde o dia em que, por derrisão, Pilatos mandou pregar no topo da Santa Cruz a primeira sigla do mundo, isto é, do mundo-mundo, inimigo de Deus e da Igreja. No caso presente atenho-me à denominação contraída de Informations Catholiques Internationales por ter pejo de usar o adjetivo "católico", em qualquer língua, aposto a uma publicação de apóstatas comprados pela Rússia.


NO REFERIDO número da ICI, Dom Hélder Câmara, em todo o esplendor de seu pacifismo exalta o "martírio" de Martin Luther King. De início observemos que esse arcebispo, oficialmente católico e lotado na infeliz arquidiocese de Olinda e Recife, baniu de sua devoção todos os mártires da fé, todos os confessores, virgens, doutores e demais santos propostos à veneração dos fiéis. Não me lembro de ter visto, nestes últimos dez anos, depois da mutação do "padre Hélder", um só discurso, uma escassa entrevista, onde, num recanto de jornal, num tópico, numa única linha se leia a admiração de Hélder por algum dos santos propostos pela Igreja a veneração dos fiéis. Hélder Câmara parece ter organizado, para uso próprio, e para bandeira de um mundo melhor que em seus delírios entreve, uma nova comunhão dos santos encabeçada por Gandhi e Martin Luther King.


NO seu discurso em Utrecht, Hélder Pessoa Câmara exalta as virtudes peregrinas de Martin Luther King: "Luther King lembrava que a maneira de vencer as injustiças sem utilizar a pressão armada é a que consiste em utilizar a pressão moral livre."


NA peroração do discurso assistido pelo cardeal Al-frink, pelo doutor Visser't Hooft (?) e pelo bonzo vietnamita Tich Nhat Hanh, Dom Hélder Câmara, levantando os braços, ergue ao lustre do salão um apelo de patético humanitarismo: "Ajuda-nos, Luther King, nosso irmão e nosso modelo!" E banhado nos calorosos aplausos do cardeal, do doutor, do bonzo e dos demais idiotas vindos do mundo inteiro, que são hoje legião. Hélder Pessoa Câmara aparta-se do sacralizado microfone e desce do estrado, nimbado de fulgurante não-violência latino-americana.


FOI MARCEL de Corte quem disse, numa frase mais de uma vez intercalada nestas mal traçadas linhas, que não há nada mais cruel do que o amor abstrato pelos pobres de que os socialistas fazem bandeira. Direi eu que não há nada mais feroz do que o pacifismo desses bonzos doutores etc., e nada mais perverso e repugnante do que o pacifismo de católicos, pseudocatólicos ou ex-católicos que renegam todos os santos para reservar sua devoção integral para um Martin Luther King.


QUALQUER católico de coração bem formado tem alegria de admirar os altos valores humanos que são o esplendor de nossa natureza feita à imagem e semelhança de Deus. Santa Catarina de Sena dizia a Frei Raimundo Capua, seu diretor e seu dirigido: "Se soubesses a beleza de uma alma racional não terias mais um minuto de descanso no zelo pela salvação das almas." A grande doutora da Igreja referia-se aqui à beleza natural, que clama pela beleza sobrenatural.


QUEM tem coração para adorar Deus e venerar os santos, tem o mesmo sangue para admirar toda a bela variedade de flores da humanidade, de todas as cores. O autor destas linhas já escreveu uma apologia de Alberto Schweitzer e com prazer escreveria o elogio de Davis Livingstone, mas não o chamaria de santo nem de mártir. No que toca a Luther King minha admiração se detém num fato brutal que se enquadra na classificação que, desde o título deste artigo, dou a esta espécie de pacifista.


RELEMBREMOS aqui os últimos anos da história da cruel inimizade entre brancos e negros nos Estados Unidos. O mundo inteiro acompanhou a progressiva e efetiva campanha da maioria do povo e das instituições em favor da completa integração dos negros na comunidade norte-americana até o momento em que a conquista da última e mais significativa lei de integração racial foi posta em prática com episódios de dramática beleza. Mais de uma vez, a resistência dos últimos baluartes do segregacionismo foi derrubada pelo Governo, e mais de uma vez a simples matrícula de uma criança regra em colégios recalcitrantes foi majestosamente apoiada pelas Forças Armadas norte-americanas.


ORA, foi precisamente a partir desse momento que começaram a surgir sublevações de agitadores negros. Tornou-se evidente que, aos agitadores internacionais, não interessavam o progresso da integração nacional e a solução realmente pacífica da crise racial. Todo o mundo, com exceção da legião de idiotas, sabe que ao comunismo não interessava a reconciliação dos pretos e brancos norte-americanos, porque essa reconciliação esvaziaria o potencial de ódio com que conta a Revolução dita a serviço da justiça social.


NA SUBLEVAÇÃO dos presos de Attica, os revoltosos ameaçaram matar os reféns, e quando, na refrega da inevitável ação policial, foram mortos alguns dos combatentes, as esquerdas levantaram um clamor de opinião pública contra a violência. Num livro intitulado Attica, my History, o diretor da prisão demonstrou cabalmente a infiltração comunista.


ORA, em todos esses episódios, Martin Luther King, mais de uma vez entrevistado, não teve uma palavra contra tais sublevações que desonravam sua bandeira; por onde se vê que Dom Hélder tem realmente profundas afinidades com aquele feroz pacifista. Todos nós nos lembramos das palavras com que Dom Hélder em L'Express aplaudiu os assassinos de policiais e de reféns.

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