O novo Ordo Missae
- Mosteiro da Santa Cruz

- 1 de set.
- 4 min de leitura
Atualizado: 4 de set.

Por Gustavo Corção,
publicado n’O Globo em janeiro de 1970
Já foi comentada pelo padre D'Elboux S.J., e pelo professor Gladstone Chaves de Melo, a infeliz tradução portuguesa do chamado novo rito da missa. O próximo número da revista Permanência registrará na íntegra os dois trabalhos.
Mas agora direi que o famoso novo "ordo missae" trouxe consigo coisa mais grave e mais dolorosa do que a má tradução que é, digamos assim, a contribuição indígena que trouxemos nós à depredação geral, à dilapidação universal que se desencadeou contra a Igreja de Cristo. Sim, pior do que a tradução desrespeitosa e degradante, é a nova definição de missa que veio enxertada na Instituto generalis a modo de introdução. E essa verruga, essa excrescência do rito é muito pior do que a má tradução, primeiro porque não é apenas um fruto do progressismo cafajeste dos trópicos; veio de Roma, provando assim que a "marcha sobre Roma" já chega ao seu termo: o cerco do Vaticano pelos inimigos da Igreja: Em segundo lugar, a malignidade da nova "definição" da missa excede todas as irreverências e desrespeitos, porque nela o que é diretamente marginalizado e menosprezado, em favor de um triunfante naturalismo democrático, é o próprio Sangue de nosso Salvador.
Eis aqui a sacrílega, herética, e infinita/isente tola definição: "A Ceia do Senhor, também chamada Missa, é a santa assembleia ou Congregação do povo de Deus que se reúne sob a presidência do sacerdote a fim de celebrar o memorial do Senhor. E por isso, a essa reunião local da Igreja se aplica eminentemente a promessa do Cristo: "Aonde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, aí estarei eu entre eles." (Mat. XVIII, 20).
Ora, não é essa a definição que aprendemos no regaço da Igreja. Não é na assembleia dos fiéis que reside o cerne, a essência, a causa formal da missa, como brutalmente nos querem inculcar os que cercam o Vaticano. A missa é, sempre foi e sempre será o sacrifício incruento, um mesmo e único sacrifício como o da Cruz. É a mesma a vítima e o mesmo o sacrificador, embora aqui, na missa, apresentados sob o véu, do mistério sacramental. "Una aedemque est hostia, idem nunc offerens sacerdotum ministerio, qui seispsum tunc in cruce obtulit, sola ratio ne offerencli diversa", diz o Santo Concílio de Trento (sess. XXII, C. 2).
A Missa é pois o sacrifício do corpo e do sangue de Nossa Senhor Jesus Cristo, oferecido nos altares para representar e perpetuar o sacrifício da cruz; e para nos oferecer os méritos do sacrifício de Cristo.
Assim quando nós vamos à Missa não vamos para constituí-la, para fazê-la o que ela é por nossa reunião. Vamos à Missa para usar a oportunidade maravilhosa e misteriosa que Deus nos oferece de estarmos misticamente, mas realmente, ao pé da cruz, naquele dia e naquela hora da Salvação.
E assim, qualquer católico alfabetizado, e ainda não imbecilizado pela onda de novidades, compreenderá que definir a missa pela assembleia dos fiéis é sacrílego, herético e estúpida. Dir-se-ia que somos nós, assembleia dos fiéis, que fazemos ao Cristo o favor de rememorar seus feitos, e não que é o Cristo que nos faz o infinito e incompreensível favor de nos oferecer uma oportunidade de colhermos os frutos da árvore da salvação, e uma possibilidade de participarmos de sua obra.
Não é condizente com o que sabemos da Missa o texto evangélico, Mt. XXVIII, tomado como fundamento da nova definição da Missa. Essa passagem não se aplica, evidentemente, à presença eucarística de Jesus, e à reunião em torno do altar. Fosse assim, estávamos todos dispensados de ir à missa já que o sacrifício nada lhe acrescenta: bastava ficarmos dois ou três em casa, pensando em Jesus. Os textos esquecidos na "definição" nova são aqueles que todo o mundo conhece (Mat. XXVI, Mar. XIV, Luc. XXII), onde Nosso Senhor nos diz: "Tomai e comei ... isto é o meu corpo ... isto é o meu sangue ... fazei isto em memória de mim."
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Qual é a ideia subjacente à "nova definição" que amanhã ou depois, para perda de muitos e para ruína da fé católica, será oficialmente ensinada? A "ideia" é a do naturalismo que pretende horizontalizar a fé; é a do "humanismo" que pretende se sobrepor à transcendência de uma religião revelada e intoleravelmente sobrenatural.
A Igreja de Cristo está sendo rifada, e os bilhetes que os novos judas distribuem trazem o mesmo título das rifas de bicicletas e de vitrolas: ação entre amigos. Os seguidores do novo e mais orgulhoso modernismo pretendem que os homens possam realizar diretamente, de um para outro, horizontalmente, o vínculo da amizade perfeita. Nós outros, católicos, sabemos que só pode haver amizade perfeita, amizade de caridade, entre dois de nós se ela se firma no tronco da videira. É em Cristo que somos irmãos, que vivemos o verdadeiro amor do próximo, e sem Ele vã é a amizade e vazia a caridade. Os galhos da videira não se prendem uns aos outros: é no tronco que se irmanam que têm a seiva comum.
Tudo isto foi esquecido, escamoteado, rebaixado, pelos redatores da pretendida "nova definição" da Missa. Algum leitor dirá talvez que sou irreverente e desrespeitoso em relação a um documento que veio de Roma.
Não. Simplesmente recuso respeito e reverência àqueles que tão ostensivamente desrespeitam o Sangue de nosso Salvador. A forma deste artigo poderia ser outra, mas quanto ao fundo devo declarar alto e bom tom que nunca me foi exigido pela Igreja, nos dias benditos de minha conversão, nenhum voto de hipocrisia ou de estupidez.




