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Há ou não há demolição?


Por Gustavo Corção,

publicado n'O Globo em 17-02-1973


A TRANSCRIÇÃO de um semanário paulista, publicada no JB, veio chamar-me a atenção para uma faceta da controvérsia católica, esquecida pelas pessoas, de bom-senso, e posta em relevo, quase digo em indecente relevo, pelo referido semanário paulista. À primeira vista pode parecer que o jornalista que escreve no O Estado de São Paulo, O GLOBO, Correio do Povo, na Gazeta do Povo, em Curitiba, e na A Tarde, de Salvador, não deveria perder seu tempo com as publicações inexpressivas que só servem para proporcionar aos próprios redatores o deleite semanal de ver suas frases em letra de forma.


MAS o exercício do magistério há mais de sessenta anos, habituou-me a ver na tolice um dos fenômenos mais sérios do mundo, porque é sempre ela — e o seu somatório planetário — que opõe resistência à sabedoria e à ascensão espiritual do homem. Remeto o leitor à Suma Teológica II.ª II.ae Qu. 46.


VEJAMOS a faceta revelada pela semanal tolice escondida no O Estado de S. Paulo. Como o leitor pôde ver nos últimos dias, houve certa celeuma levantada em torno de um artigo meu onde, a propósito das "comunidades de base" e do desmantelamento geral que se observa no orbe católico, disse eu que a crise era provocada e alimentada pelos próprios membros da hierarquia. Eu não disse que essa era a causa única e principal. Sei que os inimigos da Igreja são o Demônio, as correntes históricas do mundo organizadas como anti-Igreja, que o Concílio de Trento chama "mundo", e a divisão do eu ou amor-próprio, que na linguagem paulina adotada no tridentino chama-se "carne". Quando os que destroem (ou querem destruir) a Igreja são católicos, leigos, padres ou bispos, antes de começarem tal tarefa (que jamais poderia germinar insino Ecclesiae), é sempre pelo eu exterior do amor-próprio que são tentados pelo Demônio e pelo "mundo".


HOJE a Igreja está cheia de apóstatas que já aderiram ao "mundo" mas não têm a última lealdade de afastarem-se da Igreja. Ficam aglomerados em torno d'Ela, nos cargos, ou a fruir lucros dos escândalos que o mundo saboreia.


AS quatro ou cinco linhas que causaram manifestações de equivocada autoridade, podem ser tranquilamente reafirmadas e desenvolvidas. Numa sociedade perfeita, fortemente hierárquica, a causa interna de sua ruína tem, evidentemente, mais força nos superiores, nos dirigentes, do que nos leigos, nas mulheres do Apostolado da Oração, ou nas criancinhas. A responsabilidade dos "superiores" no descalabro que se observa, podia ser prevista antes da observação do fato.


JÁ falei da parte que têm os senhores bispos e cardeais, mais facilmente observável quando se reúnem nas famosas conferências cuja patológica adiposidade (em relação ao que o Concílio quis) está a pedir um especialista e um regime.


HOJE, para ser justo, completarei o quadro de responsabilidade dos dirigentes com os senhores provinciais, gerais, superiores e superioras. São esses superiores das ordens religiosas os mais terrivelmente responsáveis pela vertiginosa decadência das casas em que tantos moços entraram em busca da perfeição e da união com o Amado. Não sei avaliar qual dos dois superioratos aflige mais a Esposa de Cristo, mas certa inclinação me leva a pensar que a parte dos "religiosos" é ainda mais grave do que a da hierarquia, porque atinge mais profundamente a santidade da Igreja. É assustador, é apavorante o estado a que chegaram tantas casas religiosas. E quando acaso alguma congregação permanece nos moldes verdadeiros e santos, tem-se visto muitas vezes a boa Superiora receber pressões do Bispo ou da Superiora-Geral em Roma. E, então, em poucos meses se acelera o processo de expulsão da boa Superiora e sua substituição por uma progressista mais ou menos idiota que parece receber ordens dos centros de comando da revolução mundial. Em São Paulo, recentemente, ocorreu esse fenômeno. No Rio, há anos, observamos o desmonte de várias congregações.


TEMOS então diante dos olhos o evidente e indiscutível espetáculo de desmoralização, desordem e dispersão. Podemos discutir as causas internas e externas, suas proporções e suas origens. O que não se entende é que alguém fique zangado quando um observador católico cansado de estudar o fenômeno diz que as causas de tão dilatados e desastrosos efeitos só se explicam pela má atuação dos superiores.


AGORA vejamos a faceta que nos oferece o semanário paulistano.


É MUITO simples: em vez de negar as causas, como a Nota da Cúria Metropolitana da Arquidiocese do Rio de Janeiro, o Semanário mais audaciosamente nega o fenômeno. Ou nega suas dimensões admitindo que aqui ou acolá exista um prevaricador e paralelamente nos fala em notáveis sinais de esperança nestes tempos pós-conciliares, sem todavia dar um só exemplo.


ESTAMOS agora diante de um fenômeno que merece estudo: Como se explica a tranquila segurança com que tanta gente nega a tempestade, ou se comporta como se ela não existisse? Alguns desses casos se explicam pela apatia ou pelo comodismo; outros pela covardia; outros porque estão efetivamente mais à vontade nos escombros da Igreja de que estavam na sua ordem. Conheci um cônego severo, hirto, feio, que se transformou numa borboleta e tornou-se irreconhecível. Dizem que trocou a coroa de espinhos pela coroa de rosas. Em outros casos a negação do descalabro é expressa em termos de afirmação de progresso. Escrevem-se livros para caricaturar a Igreja dos santos e engrandecer a Igreja dos revolucionários e dos idiotas!


EM OUTROS casos a razão do otimismo é elementar. Tomemos por exemplo o caso de Dom Evaristo Arns: como poderia ele achar desgovernada e semidemolida a Igreja que o fez Cardeal? Nunca jamais foi tão glorioso o Papado e tão majestosa a Igreja!

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

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