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Doutrina monástica

A DOUTRINA MONÁSTICA

DE

DOM ROMAIN BANQUET

FUNDADOR E PRIMEIRO ABADE

DE EN-CALCAT

Tradução do original francês.

ÍNDICE

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I: A herança do Pe. Muard

1. O DIÁRIO DE DOM ROMAIN

2. NOTAS DE MADEMOISELLE MARIE CRONIER

TESTAMENTO DE DOM ROMAIN

CAPÍTULO II: A família monástica

1. – O ESTADO MONÁSTICO

2. – A REGRA

3. – O ABADE

4. – A COMUNIDADE

5. – O NOVICIADO

6. – OS VOTOS

1. Estabilidade

2. Conversão de Costumes

3. Obediência

4. Pobreza

5. Castidade

CAPÍTULO III: A vida monástica

1. – O OPUS DEI

A .  A salmodia

B.  O canto

C.  As cerimônias

D.  O ofício da noite

E.  Pensamentos esparsos

2. – A ORAÇÃO

3. – A LEITURA

A.  Sagrada Escritura

B.  Evangelho

C.  Documentos da Santa Sé

D.  Santo Tomás

E.  Estudos

4. – O TRABALHO MANUAL

5. – A ESCOLA MONÁSTICA

6. – AS MISSÕES

7. – O REFEITÓRIO

8. – A CELA

CAPÍTULO IV: O espírito monástico

1. – ESPÍRITO DE HUMILDADE

2. – ESPÍRITO INTERIOR

Espírito de silêncio

3. – ESPÍRITO DE IMOLAÇÃO

4. – ESPÍRITO DE POBREZA

5. – O SAGRADO CORAÇÃO

Conforme o decreto de Urbano VIII, declaramos que, se no curso desta obra, damos a certas pessoas o título de santo ou falamos de revelações, não é de nenhum modo querendo nos antecipar às decisões da Santa Igreja, à qual nos submetemos inteiramente.

INTRODUÇÃO

ÍNDICE

A maior parte das pessoas que conheceram Dom Romain Banquet vêem nele um homem de Deus. As almas que se confiaram a ele aprenderam, escutando-o ou simplesmente olhando-o, o que é a autoridade sacerdotal. Ele falava, decidia, dirigia “tanquam auctoritatem habens”, como um homem que acredita na autoridade que recebeu de Deus e que faz uso dela segundo a necessidade das almas. Tudo, nas suas maneiras, tinha o caráter real da autoridade divina. Não era alto, mas sua dignidade se impunha. Sentia-se estar diante de uma alma elevada, forte e simples como um bloco de cristal. Nada o interessava fora de Deus. Quando a conversa se desviava para outro assunto, ele não escutava mais. Procurava somente a Deus. Achava-se que ele não teria lido nenhum livro por curiosidade nem por lazer. Ele parecia feito para agir, para combater, para construir e governar. Não se atrapalhava com sutilezas, análises ou cálculos. Ia direto a Deus. Para isso ele tinha necessidade de alguns princípios indiscutíveis. A Revelação, a Igreja, a Regra de São Bento lhos ofereciam. Ele discerniu os que são essenciais e apegou-se a eles  duma maneira absoluta. Qualquer que fosse o problema que se apresentasse, num rápido olhar, ele captava a relação deste com o princípio e decidia. Nenhuma incerteza dividia o seu espírito. Sua ação era rápida, contínua, irresistível.

Nas suas cartas e nos textos de suas conferências para as monjas de Santa Escolástica de Dourgne, que foram piedosamente guardados, a apresentação da doutrina parece dominada pela afirmação desses princípios. É um chefe que ensina em vista da ação. Não faz demonstrações. Ele dá palavras de ordem, encontra expressões concisas, ardentes, inesperadas, que tocam o espírito, comunicam suas convicções e inflamam o coração.

O sucesso da obra de Dom Romain prova a eficácia desse ensinamento. A comunidade de En-Calcat tinha somente treze anos quando foi expulsa de seu mosteiro. Depois de vários anos de exílio na Espanha, ela recomeçava a prosperar em Besalu, quando a guerra de 1914 disseminou seus monges pelos campos de batalha. Dez deles foram mortos. Essas provações não aniquilaram a fundação de Dom Romain. A comunidade, por humilde e fraca que fosse, sabia bem o que queria, a que aspirava e com que meios podia atingir o seu fim. Qualquer coisa que acontecesse, não havia hesitação nenhuma, nem divisão. Ela tinha unidade pela sua concepção da vida monástica, pelos princípios muito simples, práticos e elevados sobre os quais seu fundador a tinha solidamente estabelecido. Em todas as circunstâncias, ficou  inabalável. O ensinamento de Dom Romain Banquet foi comprovado.

Encontrar-se-ão nas páginas seguintes esses princípios, recolhidos de conferências, cartas e de alguns escritos, tais como ele os ensinava a seus filhos. Esses fragmentos inigualáveis datam, os mais antigos, de 1883 e os mais recentes de dezembro de 1928. Algumas perguntas e reflexões que foram inseridas nos diversos textos, a fim de lhes dar uma unidade, formam com eles uma espécie de diálogo

A DOUTRINA MONÁSTICA

DE DOM ROMAIN BANQUET

CAPÍTULO I: A herança do Pe. Muard

ÍNDICE

Para conhecer os projetos de Dom Romain Banquet quando, em 27 de fevereiro de 1890, ele abençoava a primeira pedra da abadia de São Bento de En-Calcat, basta consultar sua correspondência e, em seguida, as conferências nas quais ele expôs suas idéias. As folhas já envelhecidas guardam intactas suas palavras, o torneado de suas frases, suas expressões; e tudo parece ganhar vida novamente. Escutamos sua voz, revemos seus gestos, ele está aqui, de pé, diante de nós, seus olhos azuis fitando os nossos. Nos fala com a autoridade de um chefe e de um pai. À  pergunta que lhe fizemos: “Fundando En-Calcat, o senhor tinha um plano bem preciso, bem definido? Qual era sua idéia?” Ele respondeu: “Fazer uma verdadeira casa do Pe. Muard.” O Pe. Muard era um sacerdote da diocese de Sens que, depois de ter sido pároco de Joux-la-Ville e de Saint-Martin-d’Avallon, fundou uma sociedade de missionários diocesanos em Pontigny, e depois, em 1850, o mosteiro beneditino de “La Pierre-qui-Vire”. Ele faleceu em 1854.

“Cheguei a La Pierre-qui-Vire nove anos após a sua morte. Respirei com toda a minha alma o perfume vitorioso de santidade que o servo de Deus tinha deixado nesse deserto. O Padre Muard tornou-se o ideal da minha vida interior.”

“É o São Bento do século XIX. A caraterística de sua santidade é, ao mesmo tempo, a caraterística mais direta, mais larga e mais segura de toda santidade cristã: o amor divino. Basta olhar os detalhes da sua existência para chegar a essa conclusão. É a caraterística de todas as fases da sua vida. Seu desejo ardente do martírio desde criança, que o acompanha durante sua adolescência, sua juventude, no seminário maior e durante seu ministério sacerdotal, o revela… seu desejo das missões estrangeiras e, depois, o sacrifício total feito a Deus de todas as suas aspirações para fundar, primeiro, a Congregação dos Missionários de Pontigny e, por fim, o mosteiro beneditino de “La-Pierre-qui-Vire”… Enfim, ele morre consumido pelo amor de Deus.”

“Esta santidade está acompanhada de sinais que afastam qualquer equívoco: a imolação constante de si mesmo, a engenhosidade dos seus sacrifícios  pelas almas e por Deus. Ele só pensa no seu próximo e no seu Deus.”

“A grandeza do seu amor por Deus faz pressentir a pureza da sua vida: É uma vida angélica do começo ao fim. Todos diziam: – É um santo! É um pequeno santo! Um santo padre! O santo pároco! O santo missionário! Conheci padres que viveram com ele no seminário maior de Auxerre e que declaravam: “É um santo, da santidade mais autêntica.” Esta característica de santidade foi notada por todos os que se aproximaram dele. Ele comunicava o seu amor. Não era possível aproximar-se dele sem se deixar levar por esse amor. Contava com igual prestígio entre as comunidades que o ouviam e entre seus discípulos. O soberano pontífice Pio IX ficou impressionado pela irradiação daquela santidade e, no entanto,  o Pe. Muard se apresentou em trajes mais que modestos diante do Santo Padre; muito pobre, miserável, um pouco como São Bento Labre. Assim foi recebido em audiência em Gaeta.”

Como ele se tornou beneditino? – O Pe. Muard tinha o espírito de São Bento antes de chegar a São Bento, de tal maneira que assim que travou conhecimento com a Regra, pensou: “Eis o que Deus me pede”.

“Um dia estava andando e rezando, de repente Deus mostrou-lhe o plano da ordem religiosa que seria preciso estabelecer: uma ordem penitente, pobre, retirada na solidão, consagrada sobretudo à oração a fim de tornar o apostolado mais eficaz. Ele viu essa ordem dividida em categorias, umas  dedicadas à oração e ao estudo, outras mais aplicadas ao trabalho manual, de tal maneira que a comunidade pudesse ser auto-suficiente. Era a visão da ordem monástica tal como ela era no início. Não havia então diferença entre os irmãos conversos e os religiosos de coro. Ao mesmo tempo, o Pe. Muard sentia um impulso irresistível no sentido de que devia fazer aquilo, que devia estabelecer uma família monástica daquele tipo. Deus assim o queria.”

“O Pe. Muard dirigia nesse tempo uma fundação de missionários que acabava de estabelecer em Pontigny. Ele rezou, resistiu e dizia a si próprio: “Não, isso é impossível, é uma loucura!” Ele fez retiros, consultou os homens mais distintos que conhecia, entre eles o Pe. de Ravignan e o Pe. Lacordaire, o abade da Trapa de Sept-Fonts e, ainda, seus diretores. Fez um retiro após outro. Quanto mais ele pensava e rezava, mais sentia que devia por mãos à obra. Mas nenhuma regra lhe foi apresentada com precisão, e sua intenção era de  não compor, ele próprio, nenhuma: “É preciso que eu escolha entre as regras antigas “, dizia consigo mesmo.”

“Ele tinha pedido, como sinal da vontade de Deus, dois companheiros: um padre e um leigo. Um dia  ele se achava no seminário maior de Sens onde, através de um grande portão, via-se até o fundo do jardim. Um jovem diácono passava pela ala central. O Pe. Muard disse ao padre que o acompanhava: “Ah! Aí está o meu sacerdote!” Nunca o havia visto antes. O jovem diácono queria ser religioso. Ele fora suplicar ao padre que o levasse consigo: este o aceitou e lhe disse: “Está bem.”

“Estava passando um outro dia na rua duma aldeia. Encontra um carpinteiro  no seu caminho. A conversa começa, e o padre lhe diz: “O senhor irá comigo. – Sim, senhor.” E o irmão Mauro se entendeu com sua família, deixou seu trabalho, tudo, e foi para Pontigny. O Pe. Muard já tinha seu programa definido. Ele sabia que naquele momento não poderia deixar Pontigny. Ninguém sabia de nada. O irmão Mauro pensava em entrar lá, mas o padre lhe disse: “Não, não é para aqui. Se quiser, é outra coisa. – Quero o que o senhor quiser.” E adotaram um regime de vida nada fácil, a fim de se prepararem para partir para a Itália.”

“O Pe. Muard compreendeu que devia ir a Roma, onde as tradições religiosas estavam mais bem conservadas. Estava com seus companheiros. Eis como lhes impôs suas condições: “Meus irmãos, vamos fazer a vontade de Deus. Se quiserem saber aonde estamos indo, não sei dizer. A Roma, mas muito pobremente. O que faremos? Não sei de nada. Como voltaremos? Sei menos ainda. Se não têm coragem de ir, não vão. Irei sozinho.” É realmente a maneira  de proceder dos grandes fundadores.”

“Partem então a pé até Ars. Ali se detêm para consultar o cura d’Ars, que lhes diz: “Oh! Sim! É a vontade de Deus. Deus o quer certamente. É a vontade de Deus.” O irmão Bento se aproxima e o cura d’Ars, com sua voz fraca, lhe diz: “Vá, meu filho, siga-o. Deus os cumulará de graças. É a vontade de Deus.”

“A iniciativa pessoal do Pe. Muard o levava para a Regra de São Francisco de Assis, porque ele amava a pobreza. Mas, em Roma, os franciscanos o mandaram embora, contrariamente ao costume deles. Tomaram-no por louco. Todos os franciscanos o puseram para fora: tratavam-no como a um aventureiro. E cada vez que era despedido, ele entrava na primeira igreja que encontrava e dizia: “Te Deum laudamus.”

“Um dia no Vaticano, um arquiteto francês lhe indica Subiaco. O abade o recebe como um enviado do céu. Vendo-o, aquele beneditino, de espírito largo porém preciso, inclina-se diante do Pe. Muard, cheio de veneração e considera a vinda dele como um dom de Deus. Ele se tornou o diretor do Pe. Muard. Foi, pois, a um beneditino da velha cepa que Deus o dirigiu.”

“Nosso Pe. Muard tomou a Regra de São Bento, porque Deus a pôs na sua mão. Ele a leu. Ele não a conhecia ou a conhecia duma maneira confusa, e à medida em que ia lendo ele se dizia: “É isso. Eis o que Deus quer.”

“Fez uma apresentação completa de tudo o que desejava a Pio IX e este lhe disse as seguintes palavras: “Vá, meu filho, faça tudo isso. Mas não acabe com o “irmão asno”[1]. Depois, quando voltar, acertaremos tudo. Faça isso.” Pio IX tinha sido conquistado por seus argumentos e sua santidade.”

“No começo não havia nada em La Pierre-qui-Vire. A característica marcante, a mais incontestável era, sem dúvida alguma, o sobrenatural. Havia unicamente o sobrenatural, nada de humano.”

“O Pe. Muard não é um gênio. Seus primeiros discípulos eram  simplesmente  pessoas de bem. Nenhum deles fez qualquer descoberta notável. Se alguém era despretensioso era  o próprio Pe. Muard. “Não sou fundador.” – Quais são seus últimos desejos? perguntavam-lhe seus discípulos. – “Não sou fundador, repetia: O fundador é o Sagrado Coração.”

“Quanto aos recursos: nada! Foi dado ao Pe. Muard o essencial para construir uma casa.  A primeira construção de La Pierre-qui-Vire? Um casebre. Seus filhos precisavam de um alojamento e havia somente troncos no chão. Fizeram um barracão de madeira e palha. Uma parte servia de capela. A casa tinha de quinze a dezesseis metros de comprimento. A capela ficava na extremidade. Um cômodo servia de refeitório e de sala de conferência. Do outro lado, estava a cozinha. Uma espécie de sótão servia de dormitório para o irmão Mauro, que dormia na palha. O Pe. Muard dormia sobre a bancada de ferramentas. Viveram lá de 2 de julho até o mês de outubro de 1850.”

“Edificaram com suas próprias mãos seu mosteiro, e não é brincadeira construir em La Pierre-qui-Vire. Era necessário retirar rochedos e aplainar os terrenos íngremes. O Pe. Muard havia profeticamente marcado com seu bastão o lugar que Deus queria. No lugar exato marcado por ele se acha hoje o altar-mor da grande igreja de La Pierre-qui-Vire. Conservamos aquele projeto a fim de obedecer à vontade de nosso santo fundador.”

“Eles tinham somente as pequenas coisas que lhes eram dadas. Um dia sobravam dois tostões. Passa um pobre. Ficaram encantados em oferecer-lhe sua moeda de dois tostões. Acharam que sua fortuna estava completa. Tinham tudo o que era necessário para dizer missa: tinham um cálice, que foi usado por nós durante muito tempo: a copa de prata dourada, o pé de cobre dourado. O vestuário não era nada opulento. Um só hábito de reserva para todo mundo. Quando era preciso consertar algum, aquele hábito deveria servir para todos os tamanhos. Para alguns, ele era demasiadamente comprido; para outros, demasiadamente curto. Os hábitos eram lavados e costurados no mosteiro. Isso se fazia como se podia sem recorrer a ninguém de fora. Irmão Mauro era homem que sabia fazer de tudo.”

“As pessoas da redondeza eram camponeses. Eles traziam legumes, nabos e couves. Não era difícil cozinhar: para a sopa, punha-se água e sal numa panela, e ali se colocavam os legumes nesse caldo, e mergulhava-se o pão. Uma vez a sopa foi feita com maçãs silvestres.”

“Assim viveu aquela santa gente! E os mais fortes ainda pregavam missões!”

“Havia pessoas que vinham a La Pierre-qui-Vire. Montalambert, que ficava na vizinhança, no castelo de La Roche, era um admirador e um amigo dos beneditinos de La Pierre-qui-Vire. Monsenhor Dupanloup também. Vi os dois lá. Os castelões dos arredores vinham também. O espetáculo que tinham diante dos olhos os transportava a séculos passados. Deus queria que as coisas fossem assim ao começo de La Pierre-qui-Vire. Sem dúvida eles ficaram profundamente edificados.”

Esses começos tão pobres e tão austeros foram conformes à Regra de São Bento? – “O Pe. Muard começou como nosso Pai São Bento, como São Bernardo, como todos os grandes fundadores.”

“O Pe. Muard não inovou nada em relação à Regra, não fez nada mais que São Bernardo, que São Bernardo Ptolomeu, nada mais que os santos que adotaram a Regra de Nosso Pai São Bento e que se serviram dela com um fim determinado. Tomou a Regra tal como ela é e, por causa de sua preocupação com a penitência e a austeridade, quis praticá-la, na medida do possível, no seu rigor primitivo.”

“Estabeleceu um horário de levantar noturno que permitia  não se deitar novamente. Fazendo isso não inovava nada, pois a ordem de Cister praticou assim o horário noturno. Levantava-se às três horas, deitava-se às oito horas. Ele era discreto tanto quanto podia, tendo em vista os desígnios de Deus. Deus lhe pedia penitências pelas almas e pelos crimes que se cometem. Adotou a média de sono da Trapa. Os trapistas têm sete horas de sono contínuo durante o inverno. No verão, eles se deitam às oito horas e se levantam às duas horas da madrugada. O Pe. Muard havia estabelecido levantar às três horas.”

“Ele abrandou o jejum, pois em seu regulamento havia uma colação todas as noites. É mais brando que nos trapistas que tinham uma refeição de vinte e quatro em vinte e quatro horas, às duas horas da tarde, desde o dia 14 de setembro até o começo da Quaresma; e durante a Quaresma, às dezesseis horas. Nosso Pe. Muard coloca a refeição ao meio dia, a colação à noite sempre, e quando alguém estava com fome de manhã, comia um pedaço de pão e tomava uma sopa leve. Era uma mitigação. Dever-se-ia seguir o jejum em qualquer parte, no mosteiro ou enviado em Missão.”

“A respeito da abstinência, Nosso Pai São Bento não exclui nenhum alimento, a não ser a carne de quadrúpedes. O Pe. Muard queria que se fizesse abstinência de tudo a não ser de pão, de ovos, de sal, de frutas, de legumes. Onde ele punha discrição era em conceder mitigações. O pão dá muita energia e se comia muito pão.”

“O Pe. Muard estabeleceu o apostolado. Realmente quem acha espantoso ver os beneditinos pregarem, está fechando os olhos para os sete primeiros séculos de nossa ordem. O monge sacerdote fica à disposição para fazer apostolado se a Igreja lho pedir. Ora, quando o Pe. Muard estabeleceu a Regra, a necessidade de missões era mais importante que nunca. Ele não inovou realmente nada.”

“De resto, não excluía nada. Quando perguntavam-lhe: “Mas o que é que o senhor fará? – Todas as obras que podem servir a Deus e à Igreja, exceto as que sejam incompatíveis com a Regra de São Bento.” Falando assim, ele resumia os séculos mais fervorosos de nossa ordem.”

“Ele estabeleceu um silêncio perpétuo. Inovação? De maneira alguma. Ele tomou a Regra palavra por palavra. Alguns vão dizer: mas e Cluny? Cluny não é o primeiro modelo da Regra. Os cistercienses adotaram o silêncio perpétuo. Os cartuxos o praticaram durante muito tempo. Agora, por razões sábias, a Santa Igreja lhes impôs momentos de recreação. Em La Pierre-qui-Vire tínhamos os sinais monásticos, e posso lhes dizer que o silêncio não é uma privação. Tive a felicidade, durante quatro anos, de não ter de me acusar de  uma só palavra contra o silêncio. Eram raras as acusações de faltas contra o silêncio. Éramos fustigados em público. Jogava-se uma disciplina para o culpado, um círculo se formava, ele apanhava a disciplina e se batia com ela. É um erro deixar cair essa sanção em desuso. Agora temos o silêncio, mas não perpétuo. O silêncio não era um constrangimento, ele dava uma grande facilidade para o trabalho intelectual.”

“A pobreza! Gostaria de saber em que estilo Nosso Pai São Bento construía os mosteiros. Não se pareciam certamente com a torre de Babel. Vê-se que a mais austera pobreza presidiu o nascimento da Ordem de São Bento. Houve dias em que os monges não tinham absolutamente nada para comer. Ia-se ao refeitório, dizia-se o “Benedicite”, o celeireiro não tinha nada para dar aos irmãos, São Bento os consolava, e, milagrosamente, Deus mandava víveres. Isso mostra uma pobreza extrema. E ainda reprovaram o Pe. Muard por causa de sua pobreza: “É um exagerado! Vejam como é ridículo!”

“O Pe. Muard foi onde Deus o guiou. Não se guiou a si mesmo. Não fez uma obra humana. Não é uma nuance da Ordem de São Bento que ele quis estabelecer.”

“Quanto ao trabalho manual, havia, e era feito com seriedade. Durante as férias, a tradição era de deixar a pele das mãos no cabo das picaretas. Era necessário trabalhar seriamente, pois o solo era granítico. Tínhamos picaretas com pontas terríveis. e mesmo assim com uma forte pancada, arrancávamos pedaços bem pequenos. Honrar o trabalho manual não é inovar. É a Regra.”

O Pe. Muard tinha o espírito beneditino?

“Tinha o espírito de São Bento. Praticou, num grau heróico, todas as virtudes que nosso bem-aventurado Pai ensina na sua Regra. Como o espírito beneditino consiste nisso, ninguém, neste século, demonstrou duma maneira mais viva e mais evidente o que é um filho de São Bento. É difícil  definir o espírito do Patriarca dos monges. Lemos que São Bento era cheio do espírito de todos os justos: “Omnium justorum spiritu plenus fuit”. O espírito de todos os justos pode-se definir assim: uma adesão total, permanente à vontade divina. São Bento simplesmente recebeu ordens do Céu e as cumpriu. Nosso Pe. Muard simplesmente recebeu ordens do Céu e as cumpriu. Sabem onde encontro a exata definição do espírito do Pe. Muard? No texto do prefácio de Nosso Pai São Bento. “Ducem et magistrum coelitus edoctum”[2]. É a característica deste grande beneditino: receber, experimentar, fazer controlar pela Igreja e executar as ordens do Céu.”

“O Pe. Muard faz parte dos maiores beneditinos do século XIX. De todos os beneditinos contemporâneos, é um dos maiores santos, um dos mais autênticos enviados de Deus, um dos mais semelhantes a São Bento, o patriarca dos monges. E entre os restauradores da Regra, um dos mais ousados e completos.”

“Olhando para trás, até as origens de nossa ordem, encontro a santidade brilhando sozinha com seu mais forte brilho na pessoa de nosso glorioso Pai, de Santa Escolástica e dos seus primeiros filhos. Mais tarde, a ordem brilhou por sua ciência, seu poder e suas riquezas, mas foi também por essas coisas secundárias que ela pereceu, quando os monges deram a elas uma importância dominante e relegaram a santidade ao segundo plano. Sendo essa consideração histórica inexpugnável, quem não vê logo a gloriosa semelhança entre nosso Pe. Muard e nosso Pai São Bento, entre as origens da ordem e as de La Pierre-qui-Vire?”

Foi o Pe. Muard quem atraiu o senhor a La Pierre-qui-Vire? – “Foi unicamente a fama da sua santidade que me fez ultrapassar os obstáculos que estavam diante de mim e que tornavam moralmente impossível minha entrada em La Pierre-qui-Vire.” Sem ele o senhor não se tornaria beneditino? – “Entrei na ordem de São Bento, porque os seus exemplos me encantaram.” – O senhor, portanto, só pôde conceber sua fundação de En-Calcat  segundo o espírito do Pe. Muard. – “Devemos fazer de nosso Mosteiro de São Bento de En-Calcat uma verdadeira casa do Pe. Muard, que traz a sua marca e a sua efígie e vive de seu espírito e de suas idéias, modificando no entanto quanto ao exterior, alguns pontos da observância que ele mesmo teria modificado.”

Dois documentos nos fazem conhecer a origem desse pensamento de Dom Romain:

1. uma página de seu diário íntimo.

2. uma nota manuscrita de Mademoiselle Marie Cronier, uma jovem favorecida por graças extraordinárias e que Dom Romain dirigia desde 1877.

1. O DIÁRIO DE DOM ROMAIN

23 – 31 de janeiro de 1883

ÍNDICE

“Marie começou no dia 28 a ouvir da boca do Mestre bem-amado instruções relativas ao futuro, muito claras e precisas.”

“No dia 29 de manhã, na santa comunhão, elas se tornaram mais claras ainda.”

“No dia 29 à noite, durante uma prolongada oração, elas me foram comunicadas:

“Jesus disse à sua esposa as palavras de Deus a Abraão: “Egredere de terra tua et de cognatione tua et de domo patris tui, et veni in terram quem monstravero tibi, faciamque te in gentem magnam et benedicam tibi…”[3]

“Jesus quer que se retome a obra do Pe. Muard a fim de lhe dar o seu pleno e verdadeiro desenvolvimento. Jesus diz que as filhas e os filhos da sua pequena esposa e de seu pai espiritual serão numerosos, que eles terão a forma e o espírito desejados por São Bento, mas na sua unidade e simplicidade primitivas: que será necessário, de certa forma, suprimir as tradições dos séculos posteriores a Nosso Pai São Bento, fazer como se estivéssemos recebendo a Regra de sua mão, sem intermediário, retomar a obra do Pe. Muard tal como ele a explica nas suas constituições e  restabelecê-la sem nenhuma outra influência que a de Nosso Pai São Bento na sua Regra.”

“Jesus faz entender que essa dupla família de filhos e filhas de São Bento e do Pe. Muard vai se constituir, dentro de alguns anos, sobre as ruínas amontoadas pelas catástrofes que nos ameaçam. O começo será muito pobre e pequeno. As duas almas, que vão ser as pedras fundamentais, terão muito que sofrer para realizar a obra do Bem-Amado.”

“Jesus nos mostrou a necessidade de realizar esse projeto para reparar os ultrajes feitos à sua infinita bondade, para pôr em vigor novamente o verdadeiro e primitivo espírito monástico livre das misturas modernas, para reservar para si almas escolhidas nas quais ele poderá encontrar suas delícias.”

2. NOTAS DE MADEMOISELLE MARIE CRONIER

Colóquios de Jesus a respeito da Obra

ÍNDICE

Santa Catarina, 25 de novembro de 1883.

“Durante a ação de graças, Jesus me falou acerca de pensamentos próprios ao Prefácio das Constituições das Beneditinas do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, das filhas do Pe. Muard e, sobretudo, tendo como título no seu Coração “suas esposas bem-amadas”, pois começando essa espécie de ditado para a introdução de nossas Constituições, Ele disse: “Jesus às suas esposas bem-amadas.”

“Lembrando-me de seus diferentes apelos à Obra, Ele os mostrou a mim numa só luz, depois, de novo, Ele me repetiu as memoráveis palavras do dia 29 de janeiro: “Sai do teu país e da casa do teu pai e vem para a terra que te mostrarei, edifica-me uma morada espiritual, dá-me almas que se multiplicarão e se tornarão uma raça escolhida, um povo de eleitos.”[4]

“O que Ele quer, acrescentou, é um jardim fechado, isto é, uma comunidade de almas interiores, de almas generosas que renovem e lembrem o fervor das primeiras virgens da Igreja.  Queixou-se dolorosamente, tristemente de não ser amado e, do mesmo modo que nos primeiros tempos, no meio da corrupção geral, chamou Noé, mandando-lhe construir a arca para abrigar-se nela com a sua família, assim, neste século de iniqüidade, Ele, o Deus forte e poderoso, sente a necessidade de ordenar uma arca espiritual que será sua própria morada, onde Ele virá se consolar, onde na terra as almas esforçar-se-ão por amá-Lo, servi-Lo, à maneira dos Anjos, onde, apesar das iniqüidades crescentes, haverá almas que viverão d’Ele e O servirão com toda a fidelidade que Ele delas espera, onde será o Bem-Amado, o Mestre absoluto. Esse será seu lugar escolhido, se as almas chamadas tiverem a felicidade de  entender isso e de responder a esse chamado. “Não é uma novidade, disse-me Ele, não é uma nova congregação, não são novas práticas, uma nova devoção, é um rebento das mais belas e antigas devoções da Santa Igreja, da vida religiosa em comum, da prática da vida interior, do despojamento de si mesmo para fazer viver e resplandecer Jesus Cristo, seu modelo, seu esposo, seu tesouro: é um novo elã, uma nova floração na antiga Regra de São Bento. Nenhuma inovação: a Regra, somente a  Regra. Mas estudada, amada, traduzida em ações, a fim de atingir o cume da perfeição.”

“Jesus quer almas interiores. A Obra terá por finalidade única  formar almas interiores, viver em união íntima com Jesus. Ele promete derramar bênçãos escolhidas, mas Ele quer almas generosas que se apliquem à contemplação, que não regateiem, que sejam grandes e nobres na virtude, que delineiem as virtudes religiosas dos primeiros discípulos de São Bento e cuja única sede seja a santidade. “Deixando às almas uma grande liberdade e confiança, eu lhes dou por código a Regra por excelência, por meio a Oração, a vida recolhida que as ensinará a se despojarem alegremente, a serem humildes, mortificadas, a subirem de grau em grau até a união completa com Deus. Na oração, elas acharão tudo: pobreza, castidade, obediência, fidelidade, amor, sacrifícios amados. Minha via é simples. O que quero são almas. Quero-as minhas íntimas. A minha finalidade é de lhes pedir a vida interior, é de ter um edifício espiritual.”

“1) Jesus quer a aplicação da Santa Regra.”

“2) Que como filhas do Pe. Muard, conformemo-nos a seus pensamentos e adotemos seu plano e sua vida. Homem de oração, de prece… suas filhas devem ser particularmente fiéis à oração. Jesus quer a verdadeira santidade. Ele ma representou generosa, larga, alegre, confiante para com Ele, que é tão bom. Era muito belo. Era mesmo a verdadeira santidade.”

“Já existem comunidades beneditinas, disse-me, mas Ele quer este ramo. Ele quer este pequeno jardim fechado, Ele quer este oásis de seu Coração. Ele me disse que se uma só alma verdadeiramente fiel lhe traz muita glória, quanto mais um canteiro de Virgens fiéis. Ele me disse que ninguém pode nos impedir de nos consagrarmos totalmente a Ele e levarmos uma vida celeste.”

“Ele me disse que está ansioso para ver seu desejo realizado, que está acumulando tesouros para no-los prodigalizar, que o Pai e a Mãezinha devem pôr todo o cuidado em bem formar essas almas, a fim de torná-las enérgicas e viris. Ele insiste sobre a necessidade de aumentar o fervor viril, a energia no bem, o espírito de oração e de prece, que uma só comunidade assim regrada teria grande poder junto a Deus, seria a glória de Jesus e, para essas almas bem-aventuradas, a felicidade eterna. Deve-se rezar nesta época de impiedade, e compreenderíamos como importa rezar, consagrar-se a Ele, viver para Ele, ah! se víssemos com o olhar de Jesus.”

“Jesus então abençoa de novo a Obra e chama as bênçãos de seu Pai, as luzes do Espírito Santo, a fim de que ela siga o objetivo divino, que seja preservada do erro, e que se torne o santo templo no qual muitas almas virão buscar a pura santidade.”

“Não traduzo bem tão admiráveis palavras. Sofri o dia inteiro pela impossibilidade em que me encontrava para traduzir a visão da manhã, sobretudo para explicar a perfeição tal como Jesus a pintou. Mas sinto que esse quadro permanecerá e que olhando-o sempre, ele me guiará e esclarecerá sem cessar. O que vejo nele sobretudo, é uma grande pureza de ação, o desapego de si mesmo, para seguir todos os conselhos da vida regular. Se isso não for bastante completo, pedirei a Jesus que me faça escrever suficientemente.”

“A Obra é simples e imensa ao mesmo tempo. A Obra pede somente a santidade, mas ela a quer sem limites, de tal maneira que as almas se esforcem sem cessar para subir. A Obra não as limita, ela lhes diz: Eis o objetivo. É preciso atingi-lo. A Obra, na boca de Jesus, é bela, divina, grande, santa e abençoada.”

Segundo esses dois textos, Nosso Senhor mesmo pediu que a fundação de En-Calcat e Dourgne fossem conformes às idéias do Pe. Muard e, segundo a idéia deste último, ao espírito primitivo da Regra. Ir ao Pe. Muard é ir a São Bento por um caminho direto.

“O Pe. Muard tomou a Regra tal como ela era na origem, diz-nos Dom Romain. Era a volta pura e simples à Regra.”

Mas a Regra de São Bento basta? Satisfaz a todas as questões? – “Há quinze séculos, as mais graves autoridades da Igreja ensinaram que a Regra, inspirada por Deus, basta-se a si própria e que não se deve subtrair nada dela, nem acrescentar nada. Na Regra há tudo o que é necessário para agradar a Deus e servir utilmente à Igreja.”

“Escrita para os séculos, sob a inspiração divina, ela bastará sempre e em toda parte, com a simplicidade do seu texto ao mesmo tempo imutável e largo, universal e particular, grandioso e simples, antigo e muito atual, ascético e prático, levando ao Céu, mas esclarecendo as vias terrenas com um bom senso invencível e especial. São Bento conhece duma maneira admirável a natureza humana. Ele a toma tal como ela é, mas sem as suas fraquezas. Sua Regra convém ao século vinte como ao século quinto da Igreja, a todas as fases da vida espiritual, a todas as condições físicas e mesmo morais. A Obra dos santos não desaparece nunca.”

A Regra tem suas provas, com efeito! – “Contam-se cerca de trinta e cinco papas saindo dessa milícia monástica. Quanto aos bispos , não é possível contá-los. E os mártires, os confessores da fé, os escritores! Quantos rios de ciência saíram da Ordem beneditina! Não se sabe na verdade quantos monges e monjas se puseram a imitar São Bento desde Subiaco e Monte Cassino, em todos os países do mundo. Mas pôde-se estabelecer o número de mosteiros durante a época de maior desenvolvimento da Ordem: chegaram a trinta mil!”

Como disse o Pe. Muard, o autor dessa Regra foi “um dos maiores santos do qual a Igreja se honra, um dos maiores legisladores que existiu”[5] – “São Bento tem o gênio da ordem, da administração. A Igreja, adotando uma palavra de São Gregório Magno, no-lo apresenta como “cheio do espírito de todos os justos”. Segundo essa palavra, os dons de Deus, diversificados em cada um dos santos, encontram-se todos no Patriarca dos monges. Do ponto de vista histórico, é isso que explica como a Ordem Beneditina, no decorrer dos séculos, chegou a servir a Igreja através das mais variadas obras. Na seqüência da missa própria em honra de nosso bem-aventurado Pai, a Igreja o compara aos profetas, aos mais famosos personagens do Antigo Testamento. Ele pode rivalizar também com todos os santos do Novo Testamento, que encontram nele algo de si próprios.”

Todos os fundadores de Ordem, que vieram depois dele, basearam-se nele? – “Todos proclamaram estar sob a proteção de São Bento e de sua Regra. Temos a ventura de possuir a Regra mais fundada na tradição, a mais aprovada pela Igreja. A Regra por excelência.”

Qual foi a missão do Pe. Muard em relação à Regra de São Bento? – “Nosso Pe. Muard foi suscitado por Deus: 1) para mostrar em sua pessoa a pobreza, a humildade, a penitência, a oração e o amor a Jesus crucificado dos monges dos primeiros séculos; 2) para dar à Igreja uma família de monges beneditinos fortemente marcados pelas mesmas características e animados de um grande zelo pelo serviço da Igreja e pela salvação das almas.”

Não se encontra tudo isso nos Cistercienses? – “O Espírito de Deus que conduzia o Pe. Muard também o conduziu à Trapa para lá haurir a melhor e mais autêntica maneira de praticar a Regra. Tenho, pela observância Cisterciense, o gosto e o atrativo do Pe. Muard. Ser-me-ia muito agradável se Deus me quisesse encerrar na Trapa. Que profunda solidão! Que silêncio celeste! Que salmodia grave, solene e tão piedosa!”

E Solesmes? – “Em Solesmes há por toda parte uma notável característica de superioridade intelectual, de antigüidade, de sobrenatural e de toque monástico. Lá não falta a santidade. Ela se parece a São Pedro pela arquitetura. Não há luxo, mas grandeza. É um ponto de afluência e, atualmente, é a capital da ordem beneditina na França. É a glória de Deus, da Igreja e da França. Amo esta família e quero-lhe bem e muito.” – Já que o senhor gosta tanto da Trapa e de Solesmes, por que o senhor fez outra obra? – “Jesus deu-nos o seu programa, o espírito do seu Coração e seu servo o Pe. Muard. É isto o que devemos conservar, amar e querer dar aos que amamos e que tiverem confiança em nós.”

Este programa foi exposto pelo Pe. Muard em suas Constituições: “Sendo a finalidade de nossa sociedade trabalhar para a glória de Deus, para a nossa santificação e a do próximo, pela humildade, pela pobreza, pela penitência e pela pregação, tomamos por princípio que nosso espírito particular seria um espírito de humildade, de pobreza, de expiação e de zelo (mas particularmente de humildade, porque o orgulho é o vício dominante de nosso século que pode-se bem chamar o século do orgulho). Ademais, pusemos nossa sociedade sob o patrocínio do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria, porque as virtudes que devem constituir o espírito de nossa sociedade são as virtudes por excelência do Sagrado Coração de Jesus e do Coração de sua Santa Mãe.”[6]

“É necessário que sejamos filhos do Pe. Muard, quanto ao espírito de uma maneira profunda, marcada, absoluta. É também necessário, que o sejamos quanto às observâncias, no que elas têm de possível para os temperamentos contemporâneos.”

“Na época presente, é necessário, creio, conformar-se em estabelecer observâncias de acordo com a fraqueza dos temperamentos e, em compensação, fazer o que o Bem-Amado pede com tão vivas instâncias: orientar inteiramente as almas para a vida interior, para a união com Jesus, para as pequenas virtudes quotidianas. A imolação que Jesus pedia a nosso Pe. Muard será talvez menos aparente, mas será mais íntima e eficaz.” – São Francisco de Sales não falava diferentemente! – “Devemos amar São Francisco de Sales, porque o espírito com que ele esteve animado e que ele imprimiu tão bem à Visitação é precisamente o espírito de nossa Ordem. Seria fácil prová-lo pelo estudo da Regra e pela história de nossos primeiros santos. Dá-se muita atenção às suas austeridades, necessárias em seu tempo, para subjugar a natureza vigorosa que eles possuíam. Não se dá bastante atenção ao espírito interior e de oração dos quais eles estavam cheios.” – Mas o senhor mesmo, em sua juventude, acaso não imitou as austeridades dos antigos? – “Tive o erro de considerar demais as virtudes exteriores, não considerando as virtudes interiores  na mesma proporção.”

Em suma, o senhor quer orientar os seus monges para a vida interior – “Deus, no programa do dia 29 de janeiro de 1883, pede-nos uma casa cuja característica fundamental, cujo ponto de partida e cuja força primeira sejam o espírito interior com tudo o que se lhe refere.”

Mas, diminuindo as austeridades, o senhor não introduz o relaxamento? – “Quanto mais, em princípio, queremos as grandes observâncias, tanto mais, na prática, devemos e podemos impor atenuações àqueles nossos filhos que disso têm necessidade. É o próprio espírito da Regra: os princípios intactos, e as atenuações dadas com uma atenção e cuidado maternais.”

Esses princípios, aos quais Dom Romain dava uma grande importância, foram-nos deixados por ele em seu testamento.– “A falta de princípios solidamente estabelecidos é um terrível obstáculo ao desenvolvimento pacífico e sério de uma comunidade.”

TESTAMENTO DE DOM ROMAIN

ÍNDICE

Viva o Coração de Jesus!

Primeira sexta-feira do mês 5 de junho de 1914.

Meus filhos muito amados,

Os homens da minha idade desaparecem em grande número. Só Deus conhece minha hora e meu dia.

Após longas hesitações, parece-me que devo deixar algumas linhas, que, com a bênção do Sagrado Coração, poderão vos servir.

I. Meu Sucessor.

É de vossa honra e de vosso interesse escolhê-lo dentre vós e elegê-lo unanimemente.

Chegareis a tal sem dificuldade, se vos preparardes com fé e pelas sessões preliminares que vos parecerem úteis.

Sede bastante fortes para não haver necessidade de nenhuma intervenção estranha à Comunidade.

Não vos lanceis nem vos percais em conjecturas.

Durando o período indicado é o que tendes de melhor a fazer.

Agrupada ao redor de um chefe, a Comunidade prosperará.

II. O que é importante.

É acima de tudo a vida cenobítica segundo a Regra, com o Opus Dei, razão de ser de nossa vocação, dando preferência à vida claustral, com apego fiel à autonomia e à estabilidade, com a constante aplicação à Escritura, à Teologia, à Patrologia, com o zelo das Observâncias, sobretudo com a profunda e suave caridade.

Nossos missionários só serão abençoados na proporção em que se mantiverem monges segundo os princípios.

No dia em que eles viverem mais do exterior que do interior, eles estarão em perigo.

Não esqueçais que, para constituir uma Abadia, é necessário um mínimo de cinqüenta padres.

Solicitude extrema pelo Noviciado e seu recrutamento e a formação dos indivíduos.

Manter constantemente o Alunato e fazê-lo progredir sempre.

Independentemente dos motivos de ordem geral, é em virtude da Justiça que devemos nossa assistência e nosso devotamento à Abadia de Santa Escolástica. Nosso Senhor que ama essa comunidade abençoar-nos-á proporcionalmente.

Um profundo e religioso respeito, um devotamento infatigável, a dignidade sacerdotal e o desapego devem caracterizar esse ministério.

A Obra Beneditina pela Igreja Padecente adquiriu direito sobre nós. Nosso Senhor a guarda e não devemos negligenciar nada para mantê-la e desenvolvê-la.

III. Saídas da Comunidade.

Nossos superiores não as imporão. Os que crerem dever pedi-las para ir para outros lugares são livres de o fazer. Mas é necessário não esquecer que o voto de estabilidade, que é característico da profissão beneditina, é obrigatório como os outros e que ele traz consigo graças e vantagens das quais é melhor não se despojar facilmente.

IV. Fundações.

Há cinqüenta anos que vejo desmoronar um grande número delas. Outras se debatem na agonia. A explicação está na maneira como estas empresas foram começadas. Meus Filhos, sede mais que prudentes nesta matéria. Dai tempo ao tempo, rezai, interrogai a vontade de Deus. Uma fundação monástica difere totalmente da fundação de um simples posto ou de uma obra.

V. O Temporal.

Nada de dívidas, nada de empréstimos. A pobreza sempre.

Esperar na Providência. Saber suportar as privações. Fazer caridade com ordem, discrição, amplidão.

VI. Ortodoxia.

Exatidão severa em seguir todas as condutas e indicações da Sé Apostólica em tudo e por tudo.

Tomai cuidado com a imprensa e as publicações que se multiplicam.

Se se revelam em nossas fileiras espíritos dissidentes e temerários, não os sigamos.

Invoco sobre cada um de vós, meus Filhos muito amados, as bênçãos do Sagrado Coração de Jesus que vos serão obtidas no instante de minha morte através do Imaculado Coração de Maria. Sua presença e assistência ser-vos-ão sensíveis.

Chegando lá em cima, velarei por vós com mais poder e afeição.

Ir. Romain O.S.B.

Natal de 1914.

Meus Filhos, tomai muito cuidado. Sede Franceses católicos. Franceses monges. Franceses em filosofia tomista. Franceses em teologia tomista. Franceses em toda a ordem intelectual, literária, artística. É o meio de servir à Igreja.

CAPÍTULO II: A família monástica

1. – O ESTADO MONÁSTICO

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Procurei como São Bento define a vida monástica. No Prólogo, ele concebe o mosteiro como “UMA ESCOLA DO SERVIÇO DO SENHOR”[7]. No primeiro capítulo,  anuncia que, “COM O AUXÍLIO DO SENHOR”, ele vai “DISPOR SOBRE O PODEROSÍSSIMO GÊNERO DOS CENOBITAS”, “ISTO É, DOS MONGES QUE MILITAM EM UM MOSTEIRO SOB UMA REGRA E UM ABADE”[8]. É esta a definição exata e completa da vida monástica?

“A vida monástica é a consagração total da existência humana ao serviço solene de Deus.”

Em que ela difere da vida religiosa? – “O estado religioso é o do cristão que se consagra de uma maneira exclusiva ao serviço de Deus. Ele faz profissão pública de perfeição, renuncia aos bens passageiros, desfaz-se de todos os laços da carne e faz abnegação total de si mesmo sob o jugo da obediência, em conformidade a uma regra aprovada pela Igreja.” – Como o senhor define o estado religioso? – “A profissão pública da perfeição cristã…”

“Que mais ainda é o estado religioso? Uma participação da Cruz e dos sofrimentos de Nosso Senhor. – São Bento escreve, com efeito, no Prólogo da Regra: “DE MODO QUE, PERSEVERANDO NO MOSTEIRO ATÉ A MORTE, PARTICIPEMOS, PELA PACIÊNCIA, DOS SOFRIMENTOS DO CRISTO A FIM DE TAMBÉM MERECERMOS SER CO-HERDEIROS DE SEU REINO.” – No serviço de Deus é necessário ser bravo e não aspirar ao repouso.”

“Por sua natureza, o estado religioso é um estado de conversão. “NOVITER VENIENS AD CONVERSIONEM.”[9] Parece-me que esta definição é a mais exata. É necessário cada dia recomeçar o trabalho de nossa conversão.” – Esta idéia de obrigação ao progresso está contida na palavra ESCOLAescolhida por São Bento para designar o mosteiro: “ESCOLA DO SERVIÇO DO SENHOR”[10]“DOMINICI SERVITII SCHOLA.” Poderíamos traduzir sem temeridade por esta outra palavra: “Dominici schola amoris”, escola do amor de Deus. É isso o que o glorioso Patriarca quis dizer. Ele explica isso no começo e no fim do capítulo sétimo, quando faz brilhar acima do décimo segundo grau de humildade o esplendor “DAQUELE AMOR QUE, QUANDO PERFEITO, AFASTA TODO TEMOR”[11] –  Logo, somos religiosos para aprender a amar a Deus.

“O fundo íntimo do estado religioso é a prática contínua e mais perfeita possível do primeiro mandamento: “Adorar a Deus e amá-Lo de todo coração.”

Nisto o estado monástico não se distingue do estado religioso. – “A vida monástica é o exercício contínuo, pleno e inteiro do estado religioso.”

No entanto, a vida monástica acrescenta algo às condições da vida religiosa. – “Ela acrescenta a separação do mundo, a reclusão voluntária no claustro, o ofício divino de noite e de dia, o silêncio, a penitência, uma dependência que envolve todos os detalhes e, enfim, a estabilidade sob um mesmo superior num mesmo mosteiro.” – Sobretudo a clausura e a estabilidade: “A OFICINA” onde o monge deve exercitar-se é, diz-nos São Bento, “O CLAUSTRO DO MOSTEIRO ASSIM COMO A ESTABILIDADE NA COMUNIDADE.”[12] “A vida monástica é o campo entrincheirado, como que a fortaleza inexpugnável do estado religioso.”

2. – A REGRA

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“A maior necessidade de uma alma consagrada a Deus é a de ser governada. O monge milita sob uma Regra, lei escrita, e sob um Abade, lei viva.”

A Regra de São Bento… “Haec est via”, é o caminho pelo qual Nosso Pai São Bento entrou no céu, o caminho pelo qual devemos aí chegar também e que nos oferece a maior segurança.”

“O texto da Regra não é o texto de um livro qualquer, é o programa de perfeição que devemos realizar; é o programa de Deus. É o verdadeiro programa do amor que devemos a Nosso Senhor. É o código dos direitos de Deus e de nossos deveres.”

Este código é suficientemente detalhado? – “A Regra trata de nossa vida de modo detalhado. Desafio qualquer um a descobrir no dia beneditino um quarto de hora que não esteja em comunicação, em união com a Regra. Nosso Pai São Bento não deixou nada de lado, nem mesmo as coisas mais transitórias! A refeição? Pensa que ele a esquece? De maneira alguma! Ele lhe fixa a hora, a disposição. Ele fixa o acordar, o deitar, o trabalho, o que ele chama de leitura e que é em realidade a meditação da Sagrada Escritura. Ele não esquece nada. Quando aparecermos diante de Deus, seremos indesculpáveis, porque não há nenhum detalhe de nossa vida que não esteja previsto na Regra, sobre o qual a Regra passe em silêncio. Todos os assuntos que possam ocorrer a nosso espírito, que interessem à salvação, à santificação de nossa alma, são tratados na Regra, e de modo admirável. Não há um minuto no dia que possa escapar à Regra.”

“Trate-a com respeito. Diga a si mesmo: Serei julgado por esta Regra. Convém que me esforce por praticá-la. É necessário que eu seja uma alma de Regra. A Regra será a medida com a qual serei medido no juízo final.”

“A Regra, para um filho de São Bento, é, então, preferível mesmo à Bíblia.” Por quê? “O código monástico é para ele a explicação da Sagrada Escritura.”

Qual a finalidade da Regra? “São Bento, sua Regra e sua Ordem estão na Igreja  para formar verdadeiros adoradores de Deus. Todos os detalhes de nossa vida monástica a isso se referem como a um fim dominante e único. Esta visão é a única que pode explicar toda a Regra em seu conjunto, em seus detalhes e sobretudo em seu espírito.”

“O cume da Regra é o amor perfeito.”

Como ela nos conduz até aí? “São Bento começa-o desde o Prólogo: “APRESSAI-VOS, CORREI, diz ele, NÃO TENDES TEMPO A PERDER.”[13] Não se trata de dissertar, de discorrer, de apreciar, de saborear, mas de combater e de marchar. É necessário marcar cada etapa do caminho por vitórias, por obras positivas. Seu estilo eminentemente marcial denota quanto o espírito dos Cecilii, seus ancestrais, havia passado para ele. Essa maneira ardente e guerreira de nos mostrar a virtude prova também que para ele a santidade consiste não em sentimentos, não em palavras, não em projetos, mas somente em atos, sempre em atos. Aí não há lugar para a fantasia. São Bento põe em destaque a ação, a ação militante aplicada ao trabalho que é ao mesmo tempo o mais necessário, o mais decisivo e o mais custoso: o trabalho contra o eu humano, contra a vontade e o julgamento próprios. “A TI, AGORA, QUEM QUER QUE SEJAS QUE, RENUNCIANDO ÀS PRÓPRIAS VONTADES… QUERES MILITAR SOB O CRISTO SENHOR…”[14]

“A Regra, eis a verdadeira Paixão do religioso, o verdadeiro martírio do religioso. Porque o martírio não é uma improvisação, exceto em certas circunstâncias particulares. O martírio é a doação total de si mesmo, de modo algum segundo a vontade do homem, mas segundo o programa de Deus: esse programa, Ele o consignou para nós na Regra de São Bento. A Regra pode pois ser para nós um martírio, não uma Paixão exuberante, mas uma Paixão silenciosa, modesta, muito ignorada, quotidiana, pela prática de virtudes obscuras, da humildade que consiste sobretudo em se apagar para deixar a Deus toda a glória.”

Ela nos mantém na humildade. “A Regra bem compreendida é um remédio contra o germe de loucura que todos os homem herdaram de Adão e Eva. O capítulo sétimo com seus doze graus de humildade, torna o espírito sadio e o põe em equilíbrio. Põe-se a cabeça no lugar submetendo-a a esse jugo abençoado da humildade obediente e da obediência verdadeiramente humilde, que nos faz abdicar do juízo próprio para acatar em tudo o dos superiores.”

Esse equilíbrio favorece nossos dons naturais… “Eles adquirem todo seu valor e todo seu poder. A Regra de São Bento, em sua simplicidade, fez germinar os talentos mais variados. O homem, sob a Regra, torna-se verdadeiramente “um homem”. Posso dizê-lo após uma tão longa experiência: a Regra possui, mais do que qualquer outro sistema, o segredo de formar homens, “viros”. Ela forma o caráter, dá equilíbrio e energia sob a orientação da graça, forja homens que são verdadeiros homens.”

A Regra torna o homem apto para todas as obras. “Quando compreendida e praticada em toda sua extensão, ela forma verdadeiros soldados de Cristo, aptos a auxiliar a Igreja e as almas, através de todo tipo de ministério e obras, capazes de prosseguir o trabalho de sua santificação pessoal em meio aos trabalhos do apostolado.”

De onde ela tira essa maravilhosa eficácia? “Nenhuma Regra apresenta o Código da doutrina cristã como a de São Bento: é o livro mais simples e, ao mesmo tempo, o mais importante. Sua superioridade vem de que é toda orientada para a santidade, através dos meios mais diretos e infalíveis. A Regra de São Bento é essencialmente um código de santidade.”

3. – O ABADE

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São Bento escreveu em sua Regra: “CRÊ-SE QUE O ABADE OCUPA NO MOSTEIRO O LUGAR DE CRISTO, POIS QUE SE LHE DÁ SEU NOME: “ABBA”, QUER DIZER PAI.”[15] No pensamento de nosso Santo Legislador, o chefe da comunidade representa a divina paternidade do  Cristo Senhor e é investido dela. Os monges devem pois ver em seu Abade a realeza, o sacerdócio e a paternidade pastoral do Filho de Deus.” Quão grande é o Abade aos olhos da fé! “A autoridade é Deus.”

“Numa época e num país em que o princípio da autoridade está completamente abalado e quase derrubado, devemos a todo preço elevá-la entre nós e considerá-la, segundo a doutrina de nossos Padres e da Igreja, como a base mais indispensável e mais sagrada de nossa ordem social e de nossa santificação pessoal. Eis um princípio no qual não se toca jamais impunemente. Se a autoridade é abalada, por qualquer motivo que seja, a comunidade é abalada. O princípio da autoridade é fundamental.”

É necessário então habituar-se a ver Deus em seus superiores. “Os superiores são o sacramento da autoridade de Deus. Deve-se considerar a autoridade como o Santíssimo Sacramento:  “Fracto demum sacramento, ne vacilles, sed memento tantum esse sub fragmento quantum toto tegitur”. “Quando a hóstia é quebrada, não te perturbes. Lembra-te que Ele está tanto na parte como no todo”[16]. É necessário não se enganar sobre isso: na Igreja, a menor parcela de autoridade exercida por um superior de casa religiosa é a autoridade de Jesus Cristo Rei. É Ele.  Não é tal ou tal pessoa.  Daí vem o texto do Evangelho que São Bento cita no capítulo quinto da Regra[17], aplicando-o aos Superiores:  “Quem vos ouve, a mim ouve. Quem vos despreza, a mim despreza.”[18]

Como fazer na prática? – “Habituar-se a respeitar Nosso Senhor presente no Sacramento da autoridade, como se respeita Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento. Durante ao menos quatro anos, no começo de minha vida religiosa, a cada manhã, durante a ação de graças, eu adorava a Deus na pessoa de meus superiores ao mesmo tempo que O adorava na Eucaristia. Isso me foi muito salutar.” – Mas se formos tentados a ver o homem em nosso superior? – “Na pessoa dos superiores só temos a considerar uma coisa:  a autoridade vinda de Deus através da Igreja.”

É necessário então estar sempre do lado da autoridade. – “Os membros da comunidade são mais ou menos religiosos na medida em que são mais ou menos intransigentes quando se trata de sustentar a autoridade.” – Não se tem às vezes boas razões para se afastar dela? “O religioso que se afasta da autoridade aproxima-se do demônio. Se numa comunidade, algumas almas se desviam da autoridade, tornam-se estranhas à autoridade, elas não o fazem nunca, nunca, impunemente. É um começo de suicídio; a alma mata, começa a matar sua vocação. O resultado é infalível. Quando a alma perde a fidelidade à autoridade, ela perde tudo.” – Por quê? – “A autoridade tem Deus em si. Quem está contra a autoridade está pois com Satanás. O senhor despreza seu Superior; não é tal homem que é desprezado, mas a autoridade de Nosso Senhor.”

E a comunidade fica dividida – “A autoridade é um bem comum. Devemos todos conservá-la, sem exceção. Se todos os indivíduos concorrem para manter a autoridade, eles firmam a comunidade.”

“A autoridade deve ser soberanamente respeitada. Tudo, na comunidade, deve ser sacrificado para mantê-la.”

Quais são as características da autoridade do Abade? – “Ela é pastoral, monárquica, paternal. Pastoral, pois que ela tem por finalidade dirigir as almas: “Pasce agnos meos, pasce oves meas”[19]. Monárquica, porque ela emana de Deus. Paternal, porque a autoridade de Deus é paternal e a da Igreja também. Tais são as três características sobre as quais repousa o estado religioso e toda comunidade religiosa.”

O Pe. Muard explica em suas Constituições que nada deve escapar à autoridade do Abade, porque ele é “a cabeça de um corpo do qual todos os irmãos são os membros. E como o próprio da cabeça no corpo humano é governar, conduzir, formar todos os movimentos e todas as ações, e que, tudo se referindo a ela, não se passa nada de que ela não seja a origem e o princípio, é necessário também, numa comunidade bem regrada, que tudo se faça pelas ordens e na dependência do Superior, que ele disponha de todas as coisas para a utilidade geral e o bem dos particulares, designando a cada um suas ocupações e seus exercícios, que ele dirija suas consciências, que ele regule sua piedade, e que não haja nada sobre o qual não se estenda sua vista e direção. É isso que pensava São Bento quando declarou que o superior deve ocupar o lugar de Cristo no mosteiro, que ele tem tudo à sua disposição e que não há nada que não esteja submisso às suas ordens.”[20] “…São Bento concebe e define o Abade como a alma, a vida, o centro, o árbitro e o motor da família monástica.”

Conseqüentemente ele está obrigado a residir sempre no mosteiro. – “E permanecendo no mosteiro, ele deve se mostrar sempre acessível; a fim de que a toda hora do dia e da noite as almas que lhe são confiadas possam abordá-lo sem temor algum, com a confiança de encontrar sempre uma acolhida paternal e atenciosa.”

Seus irmãos abrir-lhe-ão também com facilidade suas almas. “O Abade só terá sobre cada um deles conhecimentos conjeturais e incertos, observa o Pe. Muard, se eles não tiverem o cuidado de lhe mostrar o fundo de seus corações, de lhe descobrir todos os movimentos e de lhe expor até suas menores dobras”. E ele estabelece que “todos os meses, os beneditinos darão conta ao Abade do estado de sua consciência, de sua mortificação, de seu trabalho intelectual e manual, do estado de sua saúde e das necessidades que eles possam ter.”[21] – “Não se verá nunca um monge sinceramente humilde e desejoso de adquirir a santidade que não seja fiel ao quinto grau da humildade assim como à constante direção.” – “O QUINTO GRAU DA HUMILDADE CONSISTE, diz São Bento, EM QUE POR UMA HUMILDE CONFIDÊNCIA NÃO SE ESCONDA A SEU ABADE NENHUM DOS MAUS PENSAMENTOS QUE SOBREVENHAM AO CORAÇÃO OU AS FALTAS COMETIDAS OCULTAMENTE”[22]. A seu Abade? Por que não a um padre de fora? – “Quando se sente desejos de fazer a direção fora, arrisca-se muito a agir por amor próprio. Temos necessidade de nos conhecermos a nós mesmos e de sermos conhecidos pelas pessoas encarregadas de nos dirigir. E para ser conhecido, é necessário viver junto.”

É obrigatório dizer tudo na direção? – “Se uma falta é secreta, pode-se dizê-la ou não. Há inteira liberdade. O direito dos Superiores é de servi-lo. O senhor não querendo; eles não o servirão. O senhor não a diz, ninguém lhe perguntará a respeito. Se é de seu interesse ter uma grande abertura de coração, os Superiores devem ser também extremamente delicados e eles o são! Eles devem respeitar a sua liberdade, como o próprio Deus a respeita. Mas diga tudo, tudo, a seu Pai. Seja para com ele como uma criança ingênua e simples, e faça isso por espírito de fé, vendo nele a autoridade do próprio Deus. Torne-se perfeito na abertura de alma e na simplicidade infantil para com ele. É um ponto da mais alta importância e do qual depende em grande parte sua santificação. Deus o quer.” – Podemos ficar incomodados, intimidados – “Quando experimentamos timidez, é a nós que devemos acusar.” – Ele brigou comigo, e eu sou susceptível – “Quanto mais os homens estão errados, mais são susceptíveis… e menos eles são capazes de suportar a verdade acerca deles mesmos. É duro advertir surdos voluntários, mostrar a luz a cegos voluntários!” – Temos, entretanto, necessidade de sermos repreendidos – “Em todas as personalidades há remendos a fazer”. – O senhor vai até esse ponto, decididamente, com seus filhos? – “O costume foi mantido quase unanimemente de se poder dizer a cada um o que lhe convém sem rodeios, nem precauções. Isso é proveitoso para eles.”

De outra parte, a unidade de direção faz a unidade da comunidade – “Se todos os indivíduos passam pela mesma direção, eles terão uma mesma formação, e a comunidade inteira será encaminhada na via que lhe convém melhor. O quinto grau da humildade basta, através da direção, para inculcar a unidade na marcha da comunidade. É um princípio de coesão. É o vínculo de coesão da comunidade. Que pode afinal fazer uma comunidade na qual a direção espiritual está ausente ou se reduz a nada? É um corpo desprovido de coesão e de homogeneidade, privado do vínculo mais necessário que é o vínculo espiritual. Este se estabelece, se mantém e dá frutos suaves de união, de paz e de harmonia pela prática assídua do quinto grau.”

Como o Abade deve exercer sua autoridade? – “Nenhuma hesitação possível na escolha entre a autoridade exercida com vigor e a autoridade exercida com fraqueza. A fraqueza é um princípio de ruína para a comunidade. O vigor, um princípio de incômodo e de sofrimentos para algumas pessoas (de caráter delicado, sensível; de espírito difícil de governar), mas o conjunto da comunidade ganha com isso. Porque sendo fundamental o princípio da autoridade, à medida que ela é exercida, mesmo com uma nuance de energia um pouco acentuada demais, a marcha da comunidade se mantém. À frente de cada grupo de monges e de monjas, é necessário haver chefes que não temam fazer uso da autoridade, pois a autoridade não é deles, mas de Deus. São Bento acreditava em sua autoridade, dela se servia segundo as necessidades de seus discípulos.” – E Nosso Senhor? – “Nosso Senhor não instituiu o sistema de cautelas. Ele não poupou nada. Os Apóstolos seguiram suas pegadas. Eles não esconderam nada, não diminuíram nada, não atenuaram nada. Ora, veja o que aconteceu: o mundo foi convertido.”

“É, portanto, necessário haver chefes que conduzam o combate da mesma maneira que nosso bem-aventurado Pai; que saibam orientar o combate, orientar a comunidade, orientar cada cabeça da maneira mais direta em direção à finalidade única: conquistar a semelhança com Jesus Cristo, estabelecer o império da graça sobre a natureza, da humildade sobre o orgulho e o amor próprio, da mortificação e da penitência sobre a sensualidade.”

4. – A COMUNIDADE

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São Bento organizou a comunidade de acordo com o modelo da família – “Em sua constituição íntima, a vida monástica apresenta um ambiente inteiramente familiar, com a paternidade, a fraternidade, a expansão e a estabilidade. A reunião dos monges forma uma sociedade completa e autônoma. Os monges são como filhos em volta do pai. Não são nem estrangeiros, nem pensionistas, nem hóspedes, mas verdadeiros filhos de família. O mosteiro não é, portanto, uma simples residência, nem uma custódia[23], nem um convento transitório, mas uma verdadeira casa paterna, uma igreja estável por natureza e uma família completa. Quando uma alma entra em religião, ela só deixa a família natural para entrar numa família sobrenatural.”

A comunidade deve ser numerosa? – “Temos necessidade de ser numerosos e dispostos em abadias poderosas para cumprir dignamente o serviço do Opus Dei e o Apostolado. Aproveito todas as ocasiões para gravar este princípio no espírito de meus filhos: permanecer juntos, formar uma abadia de escol, muito disciplinada, muito solícita, muito monástica, numerosa, podendo fornecer homens para o exterior sem correr o risco de se deixar deformar no interior; um mínimo de cinqüenta padres, e um esforço constante para chegar a uma boa centena com cerca de quarenta irmãos conversos” – Se outra fundação se apresenta… – “Que as comunidades renunciem a toda fundação e a todo empreendimento até que elas tenham cada uma um colégio de cinqüenta padres ao menos, um noviciado sério e uns vinte conversos conhecendo diversos ofícios.”

Comunidades tão numerosas podem manter a unidade? – “Não negamos que não haja nunca pequenas divergências. As divergências, a variedade, Deus as quer. Cada um de nós tem seu temperamento, seu caráter; ninguém está isento de defeitos, de faltas.” – Como unir esses elementos diversos? – “Deve-se realizar a união dos espíritos quanto à maneira de conceber o respeito à autoridade, a prática da Regra, quanto às verdades de fé, quanto às apreciações gerais que devem dirigir o movimento intelectual da comunidade. Além da união dos espíritos, é necessária a união dos corações e das vontades, é necessário o entendimento com a autoridade e o entendimento fraterno.” – E se os corações, as vontades estivessem unidos sem que os espíritos o estivessem? – “Então, a graça que se deveria pedir a Deus é que Ele estabelecesse a união dos pensamentos como Ele já estabelecera a união dos corações e das vontades. Do contrário, haveria aí um fermento escondido e sempre pronto a irromper em críticas, recriminações, disputas, murmurações e, finalmente, em graves divisões.”

Na prática, como realizar esta união? – “Não há nem mal, nem perigo, nem conseqüências a temer, quando, numa questão suscetível de quatro ou cinco soluções diversas, colocamo-nos inteiramente de acordo com a autoridade na solução que ela escolheu.”

“O que fará a força e a beleza da comunidade, é a união de espírito, de vontade e de sentimentos que reinará entre todos. Mas esta união só será profunda e durável  se todos estiverem muito forte e sobrenaturalmente unidos a seu Abade.”

5. – O NOVICIADO

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Esta união depende, em parte, da escolha e da formação dos indivíduos.  Eis porque S. Bento recomenda: “QUE NÃO SE CONCEDA FÁCIL INGRESSO” ao postulante.[24] – “A facilidade das entradas faz a facilidade das saídas e prepara a multiplicação destas.”

Mas se se deseja o número… – “Os superiores e a comunidade devem desejar bem mais a qualidade que o grande número dos indivíduos.” – É necessário então “PROVAR OS ESPÍRITOS” como o recomenda São Bento.[25] – “A Igreja exige que os candidatos sejam provados, não sejam poupados, nem solicitados para ficarem.”

Que qualidades deve ter o postulante? – “Prestar-se-á a maior atenção ao espírito e ao julgamento do postulante, mas sobretudo dos que se apresentam para o coro, e ainda mais daqueles que são brilhantes e distintos. A experiência mostra que esse é um ponto capital.”

O senhor exige uma saúde forte? – “Os indivíduos com uma saúde débil, sobretudo em nossos dias, não devem ser rejeitados à primeira vista. Em nenhuma parte nosso Glorioso Pai indica a saúde robusta como uma condição indispensável para a admissão em nossa Ordem. No entanto, é necessário exigir o equilíbrio orgânico e, sobretudo, uma cabeça calma e sólida.”

O senhor leva em conta as aptidões? – “A questão das aptidões é tão supérflua como secundária. Hoje em dia preocupa-se demais com isso. Em lugar de perguntar com simplicidade a Deus o que Ele quer, muitas almas consultam principalmente seus gostos pessoais, científicos e artísticos e a isso subordinam, como a uma coisa muito importante, a escolha de sua vocação e de seu gênero de vida. Para uma alma cristã essa questão é simplesmente secundária. Ademais, atualmente como no passado, os trabalhos de todo gênero não abundam nos claustros beneditinos?”

Nosso Pai São Bento quer somente que se examine se o postulante “PROCURA VERDADEIRAMENTE A DEUS, SE É SOLÍCITO PARA COM O OFÍCIO DIVINO, A OBEDIÊNCIA E OS OPRÓBRIOS”[26]. – “Ele compreende que se entra na vida religiosa para se humilhar, para servir e não para ser servido? Se ele o compreende é um sinal de vocação. Se ele não o compreende, convém admiti-lo? Sim, mas por misericórdia, desde que ele queira se converter acerca desse ponto importante. Se se percebe que suas pretensões são calculadas e mostram alguma tendência a se realizarem na prática, evitem recebê-lo. Admitir em comunidade um orgulhoso que quer alimentar seu amor próprio, seria introduzir algo de satânico na comunidade.”

A piedade é um sinal de vocação ? – “Pode-se temer tudo de uma alma que se diz piedosa, mas que é escrava de sua vontade e de seu julgamento próprio .”

E a obediência ? – “A boa e verdadeira obediência basta, apesar de disposições imperfeitas, para denotar a vocação.”

6. – OS VOTOS

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Um ano de noviciado permite julgar acerca das disposições do indivíduo. Então, se a comunidade o admite, ele pronuncia, por três anos, os três votos de religião: pobreza, castidade e obediência. À expiração desse prazo, tendo sido a comunidade novamente consultada, ele pronuncia os votos solenes que o consagram definitivamente a Deus e o tornam membro da família monástica. A fórmula desses votos se encontra na Regra de São Bento: “PROMITTO STABILITATEM, CONVERSIONEM MORUM MEORUM ET OBEDIENTIAM SECUNDUM REGULAM”. “PROMETO A ESTABILIDADE, A CONVERSÃO DE MEUS COSTUMES E A OBEDIÊNCIA SEGUNDO A REGRA.”[27] “Desde o século VI, essa fórmula tão breve em seus termos, tão profunda e tão absoluta em seu sentido, não sofreu nenhuma modificação.”

1. Estabilidade

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“Em primeiro lugar a estabilidade, pela qual, no que depende de si mesmo, o monge está fixado na comunidade que ele escolheu e adotou.”

“A família repousa sobre a estabilidade. O Pai e a Mãe são pai e mãe sempre. Só a morte pode romper o exercício de sua autoridade. Os filhos serão filhos sempre. O voto de estabilidade nos fixa sob a autoridade do Abade até a morte. Ele une para sempre o soldado de Cristo aos chefes e aos companheiros de armas uma vez escolhidos.”

Quais são as vantagens da estabilidade? – “Mantendo-se as mesmas pessoas em presença umas das outras, a estabilidade lhes dá  uma implacável penetração mútua dos menores defeitos, que é pouco cômoda para o amor-próprio, mas preciosa  para o bem de cada um e para a ordem geral. Assim se acham corrigidas duas tendências que se revelam quando falamos de nós mesmos: primeiramente, consiste em atenuar, disfarçar o melhor possível, tudo o que é contra nós; em segundo lugar, fazer sobressair artisticamente tudo o que é a nosso favor. São Bento estabeleceu o voto de estabilidade contra essas duas tendências. É um remédio contra as ilusões.”- E contra a inconstância… – “Tira as ocasiões de variação, de inconstância. Concentra as diferentes fases do combate num mesmo lugar, sob o mesmo comando, diante das mesmas testemunhas, no manejo das mesmas armas, todas escolhidas por um mestre como São Bento. Assim, pela estabilidade, o combate espiritual é reduzido a uma espécie de duelo em campo cerrado, e este se prosseguirá sem descanso, o que é necessário, pois durará toda a vida; é necessário conduzi-lo com perseverança. Ora, se nas obras importantes e trabalhosas, a estabilidade dá o seguimento indispensável, ela é bem mais necessária num trabalho de santificação, que deve durar a vida inteira. Do ponto de vista instrumental, ela é decisiva. Ela fixa, prolonga, une à ação do tempo e da continuidade, a ação da graça. A perseverança é a melhor tradução do voto de estabilidade.”

Esse engajamento não é difícil de manter ? – “Não. A estabilidade produz, pouco a pouco, o equilíbrio das faculdades, a paz da consciência, uma visão muito mais clara de si mesmo. Ela estabelece as almas na calma e no silêncio interior, num estado que as mantém sem cessar à disposição do Espírito Santo. “Non in commotione Dominus”[28]. É por isso que ela é praticada sem dificuldade.”

Então, ela é necessária? – “Tocar no voto de estabilidade, é demolir a Regra. Pode-se notar através do curso da história monástica que onde a estabilidade não existe, os desenvolvimentos são muito difíceis e, ainda assim, momentâneos. Ao contrário, logo que essa virtude intervém, tudo é possível. Mosteiros, pouco numerosos aliás, não compreendendo a importância da estabilidade, não a aplicando, ficaram em situações incertas, e foi preciso que o conjunto de religiosos de uma província interviesse para remediar a situação. Os mosteiros isolados se esgotaram. Mas, onde se manteve a estabilidade com toda a sua força, os mosteiros floresceram, apesar das cegueiras do período contemporâneo dos séculos XVIII e XIX.”

2. Conversão de Costumes

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“É incontestável que o voto de conversão de costumes é mais elevado que o de estabilidade. “Não é pouca coisa, diz a Imitação, viver no Mosteiro e aí perseverar fielmente até a morte.”[29] E, no entanto, é coisa bem maior ainda exercer, durante esse tempo de perseverança, seu voto de conversão de costumes.”

Que significa esta expressão? – “Discutiu-se muito sobre o alcance desta expressão “conversão de costumes”. Pouco importa! Tomemo-la na simplicidade do termo. É a obrigação de tender sem cessar a afastar-se do mal e aperfeiçoar-se no bem.”

Na prática, a que obriga esse voto? – “1- Ele exclui, com mais força do que o decálogo, o pecado mortal, o pecado venial, o apego ao pecado, a negligência em relação aos defeitos.”

“2- Ele pede o uso mais perfeito possível do sacramento da penitência e, por conseqüência, o exame de consciência sem ilusão, o zelo em combater as pequenas faltas, o conhecimento exato do que  exige a pobreza, a castidade, a obediência, a estabilidade, a fim de praticar as virtudes que são o objeto desses votos com todas suas delicadezas.”

Esse voto é então diretamente oposto ao pecado. – “Desviar-se do pecado é o começo da conversão.  A conversão de costumes é pois, antes de tudo, a abolição do pecado. Ela começa na consciência que deve ser regrada, esclarecida sobre os verdadeiros princípios e que não deve confundir o mal com o bem, desculpar suas faltas. Que não haja ilusões.”

É a primeira etapa. Em seguida… “Ela obriga a tender à perfeição, a progredir todos os dias. 1- Para não se lhe opor, é suficiente ser fiel à Regra em geral. 2- Para atingir o fim desse voto, devemos nos compenetrar não somente da letra, mas do espírito da Regra, não podemos nos contentar somente por não estarmos recuando, mas devemos avançar e trabalhar positivamente para eliminar os defeitos. Não se trata aqui de uma veleidade de combate contra os defeitos, de algumas resoluções abandonadas logo: a luta deve ser determinada (não há compatibilidade entre a  conversão de costumes e tudo o que se chama negligência, tibieza, à vontade, espírito do mundo e procura de si: a primeira conversão consiste em separar-se de si mesmo), a luta deve ser determinada, começada, continuada com perseverança até a eliminação dos defeitos.”

“O ponto em que é necessário colocar o esforço inicial: as disposições interiores; as intenções em primeiro lugar; em seguida, os movimentos tão variados que se passam no íntimo de nossa alma e que só Deus pode discernir. A escolha dos pensamentos, das idéias que é necessário entreter ou afastar, o desaparecimento das incertezas, das hesitações, das vontades que não estão suficientemente definidas (nossa marcha para Deus deve ser direta, firme, simples e contínua). Oh! sim, a conversão de costumes assegurada na região dos pensamentos, dos sentimentos, das disposições em relação a Deus primeiramente e, em seguida,  em relação ao próximo.”

Chega-se assim à eliminação dos defeitos... “E a eliminação dos defeitos prepara a aquisição das virtudes, na qual consiste a construção do edifício espiritual.”

Chega-se à conversão perfeita? – “A conversão simples e perfeita é, com o ódio e a expiação do pecado, a adesão perpétua a Deus num estado de luta para manter o seu reino e reagir contra tudo que a isso se oponha. Assim entendida, a conversão designa e pede a prática de toda a Regra.”

De modo que esse voto tende a nos introduzir na vida mística. – “Há uma conexão íntima de natureza entre a vida mística e o voto de conversão de costumes. Na vida mística a alma move-se e deixa-se mover principalmente pela iniciativa divina. A alma se entregou sem reserva, e Deus, encontrando essa fidelidade, a conduz aonde Ele quer. O voto de conversão de costumes é o estímulo às almas a nunca parar, a não pôr limites à ação da graça.”

“Ora, à medida que ela avança, ela vê, da maneira mais clara, que ela é indigna, que  não fez nada, que Deus é muito bom por suportá-la. Ela adquire d’Ele um conhecimento de tal modo resplandecente que, à luz da santidade divina, ela vê, nos seus atos de virtude, sobretudo o que não é e o que deveria ser, o que seria conveniente para que ela pudesse apresentar-se diante da face do Senhor. E com essa visão que lhe dá a aproximação de Deus, nascem estímulos poderosos para fazer sempre mais.”

“Na vida mística, chega sempre um momento onde a alma está menos preocupada, por assim dizer, em se santificar, do que em se imolar a Deus. Mas ela já sabe que a imolação, para ser digna de Deus, deve ser acompanhada de uma grande santidade. Como querer que a alma deixe de progredir nessa escola do calvário? O voto da conversão de costumes, considerado desse ponto de vista, à luz da vida mística, aparece como a mais bela homenagem que uma criatura pode prestar a seu Deus. Assim considerado, ele ornamenta com seu reflexo magnífico os outros votos, que então são elevados ao seu grau mais alto. O voto de obediência é praticado de tal maneira que a vontade do homem se funde completamente na de Deus. A pobreza é vivida à maneira de Nosso Senhor Jesus Cristo: a mais completa indiferença com relação aos bens desse mundo. A castidade é observada a ponto de espiritualizar o que há de mais material.”

“Assim realizado, o voto de conversão de costumes reflete-se, resplandece no amor. Ele se confunde, de certo modo, com o amor. O amor conduz a alma a desejos cada vez mais vivos de virtude e de santidade: o voto de conversão de costumes mantém no coração, na vontade, um desejo insaciável de combate e de vitória. A alma se lança seguindo Nosso Senhor. “Exsultavit ut gigas ad currendam viam.”[30]

Existem, pois, vários graus na conversão. – “Converter-se do mal ao bem, eis o voto no grau inicial. Depois, converter-se do bem ao melhor, do melhor ao perfeito, do perfeito ao heróico.”

“Desse caminho luminoso a percorrer, todas as etapas são distintas, determinadas, descritas no texto da Regra e por um dos maiores Doutores e Diretores de Santidade prática, o Bem-Amado de Deus, Bento. Esta Regra, obra-prima de legislação monástica e social, é também o código mais bem combinado, o mais simples e o mais completo do ascetismo cristão. A conversão que ela exige, em virtude do voto, ela a toma no seu grau inicial, que é a ruptura com o pecado, para conduzir “ ÀQUELE AMOR DE DEUS QUE, SENDO PERFEITO, EXPULSA O TEMOR”. “CARITATEM ILLAM QUAE PERFECTA FORAS MITTIT TIMOREM.”[31]

3. Obediência

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“Na prática e no detalhe, a conversão de costumes se resume na obediência que é o objeto do terceiro voto e que conduz à abnegação total de si mesmo.”

“Não há nenhum estado em que a obediência não deva interferir, visto que é ela que resume a vida de Nosso Senhor e que é a lei fundamental da Igreja e de todas as almas que caminham nas vias da salvação. Mas, no próprio seio da Igreja, o gênero de vida mais concentrado na obediência é incontestavelmente o estado monástico com a Regra que lhe é própria. Veja-se somente o capítulo cinco da Regra. É a fusão do “eu” humano com a vontade de Deus manifestada pela autoridade legítima, nos limites de suas atribuições e sempre segundo a Regra.”

“A santidade se resume nisto: nossa vontade se submetendo tão bem e com tanta constância à vontade de Deus, que não se possa encontrar mais nada em nós fora dessa vontade dominando a natureza, em todos os seus detalhes. É a realização desta palavra de Isaías: “Vocaberis: Voluntas mea in ea”[32]. O termo da santidade é a obediência. É preciso que tudo se faça na obediência. A obediência é Deus em nós e nós em Deus.” – O grau de santidade mede-se, pois, pelo grau de obediência. – “Um beneditino vale o que vale sua obediência.”

Se pensássemos nisso, seríamos exatos na obediência. – “É preciso ser muito delicado na obediência. A vontade do religioso constitui a matéria do holocausto que ele põe sobre o altar quando faz profissão. Logo, por pequenas que sejam as faltas contra a obediência, elas se tornam uma rapina no holocausto.”

No entanto, a obediência custa! – “Nossa vontade própria é tão pegajosa! Trazemos em nós uma coleção de resistências que é preciso sacrificar a Nosso Senhor até o nosso último suspiro.”

É preciso ainda querer obedecer com sinceridade. – “Quer-se obedecer, pretende-se obedecer, mas, por mil voltas e com belas e piedosas invenções, pensa-se enganar a Deus e retoma-se para si toda a vontade e todo o julgamento dos quais lhe havíamos feito um holocausto eterno. Esses são fantasmas de religiosos, aparências de pessoas que querem a santidade, mas que a querem em poesia, em imaginação.” – É acaso possível tornar-se um religioso dessa espécie? – “É suficiente, para isso, entrar na via dos “mas” e dos “se”. Perde-se tempo conversando consigo mesmo. Cansa-se a bondade dos melhores superiores que não compreenderão mais nada, que decidirão dizer: “Faça como quiser!” Que tristeza haver entrado em religião para obedecer e não obedecer.”

É preciso obedecer sem demora. – “Pensar dez vezes antes de obedecer não é olhar para trás e começar já a sua própria derrota? O atraso transforma-se, muitas vezes, em omissão.” – Mas, e se tivermos uma razão para demorar? – “Por que esperar quando Deus fala, senão porque nos preferimos a Ele?” – “O PRIMEIRO GRAU DA HUMILDADE, escreve com efeito S. Bento, É A OBEDIÊNCIA SEM DEMORA. ESTA CONVÉM ÀQUELES QUE ESTIMAM NÃO HAVER NADA MAIS CARO QUE  CRISTO.”[33] – “Não se tem a virtude da obediência, senão quando os atos dela são feitos com prontidão. Se há prontidão da obediência, a alma é fervorosa.”

Isto supõe uma grande renúncia. – “A obediência é a espada da renúncia penetrando até o mais íntimo do nosso ser, para nos retirar de nós mesmos.”

“A obediência é o dom da alma a Deus. De outro modo, dê quantos presentes quiser a Deus e não lhe terá dado nenhum. Quando Nosso Senhor nos diz: “Fili, praebe cor tuum mihi”. “Meu filho, dá-me o teu coração”[34], é como se nos dissesse: “Dá-me tua vontade”, pois o fundo mais íntimo do coração consiste na vontade. A própria virgindade é pouca coisa diante de Deus quando não é coroada pela obediência e pela humildade.” – Nada vale mais que nossa obediência, porque nada mostra melhor a Deus o nosso amor. – “Deus nos pede o amor provado pela submissão.”

É preciso então oferecer-lhe uma obediência sem limites. – “Todo o esforço da santificação consiste em sacrificar sua vontade profunda por uma obediência universal, constante, tanto interior como exterior.”

O voto nos pede tudo isso. – “Para guardar estritamente o voto, é suficiente não elevar-se deliberadamente contra uma ordem formal e expressa. Mas deve-se desejar mais. Não desejemos guardar somente o princípio da obediência, é preciso abraçar toda a obediência; não obedecer somente a uma ordem, mas também a um conselho, a um desejo expresso ou simplesmente adivinhado, pensando que é mais perfeito obedecer a um conselho do que a uma ordem, a um desejo do que a um conselho, a um desejo adivinhado do que a um desejo expresso. O religioso que compreende sua vocação não deve se limitar a guardar o princípio da obediência, mas aplicar-se a ser fiel a ela nas menores nuances. O monge deve formar seus pensamentos, suas apreciações interiores, seus sentimentos sobre os princípios estabelecidos e deles se penetrar totalmente.”

Os dons naturais são apagados pela obediência assim compreendida? – “O esplêndido relevo com que se destacam através da história as personalidades tão variadas dos santos e santas da Ordem Beneditina prova bem que a obediência, longe de anulá-los, leva a seu mais alto grau de perfeição os dons naturais recebidos de Deus. Se o grão de trigo humano cai em terra de obediência para aí morrer em honra de Deus, torna-se então capaz de frutificar com maravilhosa abundância.” – Como ela opera essa maravilha? – “A obediência tem uma recompensa imediata: a tranqüilidade de espírito.” – O espírito tranqüilo é lúcido. – “Nós já não somos muito esclarecidos nesta terra. E quando nos pomos a seguir nosso próprio espírito, então, é a noite completa.” – Ao contrário, há luz quando seguimos o espírito de Deus. – “Quem abdica da sua própria sabedoria encontra a de Deus.”

O sacrifício do julgamento é difícil de realizar? – “O sacrifício do julgamento não consiste em aniquilá-lo, nem em suprimi-lo, mas em submetê-lo para servir-se dele com mais segurança, conformando-o com o de Deus, manifestado pelos superiores.”

Deixar-se conduzir por Deus. – “Se os homens quiserem ser justos, que eles se deixem conduzir. Nada é tão temível como a iniciativa humana pessoal em todo tipo de coisas e, sobretudo, na maneira de se conduzir. Ora, assim começam todas as suas faltas: eles resolvem conduzir-se a si mesmos.” – Então as paixões os conduzem. – “Nosso escudo contra as paixões é a docilidade. A sã e verdadeira liberdade acha-se na obediência sem demora, a qual exclui todas as escravidões, quaisquer que sejam.”

“Com a obediência, não há nada a temer: a alma fica numa fortaleza protegida de todos os lados. Por quê? Porque a obediência é a vontade de Deus posta em prática sem condições, sem discussão, sem “se”, sem “mas”: Vós quereis isto, meu Deus? então será isto!”

É suficiente querer? – “É fácil dizer ‘a obediência’; mas que grande virtude! É necessário todo o tempo da vida religiosa para adquiri-la. A obediência e a santidade são uma coisa só.”

“Obedecer a Deus, mas como a um Deus.”

4. Pobreza

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Os beneditinos não mencionam a pobreza  quando pronunciam seus votos solenes… “porque a pobreza é essencial ao estado de perfeição.” Pelo fato de se estar no estado de perfeição, está-se obrigado à pobreza. – “O voto de pobreza tem a importância de um alicerce;  sem ele, o estado religioso não existe, é impossível chegar à perfeição. Por quê? “Si vis perfectus esse, vade, vende omnia et da…”[35]

Em que ele consiste? – “É o engajamento sagrado pelo qual nos despojamos de toda liberdade na disposição dos bens deste mundo. Doravante não se tem mais a propriedade deles. Não se dispõe de nada, “NIHIL OMNINO NIHIL”[36], diz São Bento, NEM MESMO DO SEU PRÓPRIO CORPO. É a nudez do crucifixo.”[37]

5. Castidade

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O voto de castidade é igualmente essencial ao estado religioso; sem ele não há vida religiosa. Como o voto de pobreza, ele está pois implicitamente compreendido no voto de estabilidade, de conversão de costumes e de obediência.

Veja-se a sobriedade de Nosso Pai São Bento: “CASTITATEM AMARE”[38]. Essa sobriedade é um ensinamento para os monges. A castidade é talvez antes uma resultante do que uma virtude distinta, uma resultante da humildade e, sobretudo, da obediência. São Pedro diz: “Animas vestras castificantes in obedientia caritatis”. “Tornai vossas almas castas pela obediência”[39]. As três fontes da castidade são pois: a humildade, a obediência, mas, antes de tudo, a Obra de Deus (Ofício Divino). O Opus Dei, desde a primeira palavra até a última, no seu texto, nas suas cerimônias, nas suas próprias melodias, é uma semente de pureza angélica: tudo nele vem do mundo angélico, tudo nele faz voltar a esse mundo.

A castidade não é um duro sacrifício? – “A castidade é um cativeiro de tal modo doce que após tê-lo experimentado não se pode viver sem ele, sem querer que ela impere cada vez mais. Essa felicidade da castidade é:

1 – para a inteligência: a pureza, a acuidade, a penetração do olhar.

2 – para a vontade: o vigor, a força, uma têmpera especial.

3 – para o coração: a independência. O coração é terno, penetrado de humildade, dotado de uma sensibilidade muito especial. A natureza humana é violentada, desonrada, ela não é mais ela mesma, quando falta a castidade, pois a castidade é o domínio da alma sobre os sentidos.”

“Estejamos dispostos a dar nossa vida antes do que cometer, nesse ponto, a mais leve falta. Ela é ou não é. É preciso que ela apareça em sua integridade, que reine sobre a alma, sobre o corpo, na conduta interior.”

São Bento recomenda: “CASTITATEM AMARE”[40]. “Amar a castidade como Deus a ama. Amá-la de uma maneira absoluta.”

CAPÍTULO III: A vida monástica

1. – O OPUS DEI

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“São Bento chama “Opus Dei” – “Obra de Deus”[41] – a celebração do louvor divino.”

“O fundo íntimo do estado religioso é a prática contínua e a mais perfeita possível do primeiro mandamento: “Adorar a Deus e amá-Lo de todo o coração.” É a razão pela qual São Bento escreve em sua regra que “NADA SE ANTEPONHA AO OFÍCIO DIVINO”, “NIHIL OPERI DEI  PRAEPONATUR”[42]. São Bento traduz simplesmente a vontade de Deus e da Igreja quando coloca o Ofício Divino acima de tudo. Tudo, no plano divino, se relaciona com a celebração da glória de Deus.”

O mundo esqueceu essa verdade. É por isso que o Pe. Muard escreveu em suas Constituições: “Neste século que não reza, é preciso homens que, como outros Moisés, elevem as mãos na montanha”[43]. “Portanto, antes de tudo, o Ofício Divino.”

“A homenagem do louvor é uma necessidade social. Toda a razão de ser da vida monástica é a celebração do Ofício Divino.”

“Todos os detalhes de nosso dia são preparação ao Ofício Divino. Assim, longe de sacrificá-lo por causa de nossas outras obrigações, nós estabeleceremos a ordem e a prática delas de tal maneira que todas se relacionem para facilitá-lo, melhorá-lo, deixar-lhe as horas determinadas desde a antigüidade e dar-lhe o maior  esplendor.”

Contudo, existem as necessidades da vida… – “O Ofício Divino não será nunca um obstáculo nem um entrave às obrigações secundárias indispensáveis, seja para a vida da comunidade, seja para o bem do próximo. É a razão pela qual São Bento, quando ordena o ofício da noite durante o verão, sem tocar nos salmos, simplifica e abrevia todos os outros detalhes, “POR CAUSA, diz ele, DA BREVIDADE DA NOITE”. [44]Essas obrigações secundárias não poderiam invadir o dia do monge e tomar, pouco a pouco, o primeiro lugar? Por exemplo, as obras sociais… – “Obras de caridade, humanitárias, sociais, familiares de todo tipo: sim, mas com a condição de que em seu cume brilhe, para vivificá-las e mantê-las em equilíbrio, a grande Obra primordial, a Mãe de todas, a “OBRA DE DEUS”.

E se a comunidade não for suficientemente numerosa? – “Que toda fundação monástica seja projetada, desde o início, de maneira a poder-se estabelecer aí, o mais cedo possível, a celebração, com toda a solenidade, do Ofício Divino. Como é triste ver monges agrupados em minúsculas brigadas, ou, o que é pior, condenados ao isolamento: eles estão privados da alma de sua vida.”

“O ponto culminante da vida monástica é o serviço, a intimidade e o gozo de Deus através da oração multisecular da Igreja.”

O monge penetrado desses pensamentos deve, alegremente, se apressar ao toque do sino que o chama ao coro… “O coro é o encontro misterioso de Deus e de sua Igreja”. Como chegar atrasado a tal encontro? – “A falta de pontualidade se dirige aqui à majestade divina”. – Deus se encontra no coro… “Na estação[45], nossa reunião em nome de Nosso Senhor torna-O presente no meio de nós”. Porém mais ainda no coro… “Deus está na sua Obra.”

O Ofício Divino é fácil? – “Nossa pobre alma, pelo peso que lhe é natural, tende a descer. Ela não se eleva facilmente para Deus. Mas quando ela é ajudada durante o Ofício, por todos os símbolos exteriores, pelo canto, pelas palavras, é menos difícil. Se então ela se aplica, ainda que pouco, ela sobe com as palavras da oração, ela sobe até Deus.”

O demônio não atrapalha? – “Quando tomamos lugar no coro, os demônios nos observam, eles nos combatem com todas as suas forças… Se nos colocamos do ponto de vista infernal, o Ofício é uma provocação. Satanás odeia a oração, ele nos estrangularia se Deus não o detivesse.”

“O Ofício Divino não é um repouso, mas um combate, e um combate vitorioso. O culto que prestamos a Deus tem por conseqüência imediata o combate da fé, o combate da esperança, o combate do espírito contra o poder das trevas. Nós somos os soldados de Deus, seu exército em linha de batalha.”

Nossos Anjos, felizmente, não nos abandonam. – “Eles velam mais do que nunca, e Deus nos concede sua graça, seu socorro, a fim de que possamos celebrar o Ofício com o fervor conveniente. “CONSIDEREMOS, diz São Bento,  DE QUE MANEIRA CUMPRE ESTAR NA PRESENÇA DA DIVINDADE E DE SEUS ANJOS…”[46] Nossa postura no coro é modelada na dos anjos diante do trono do Eterno, e eles cantam de uma extremidade do paraíso à outra.”

Por que celebramos o Ofício na igreja? – “É no templo e em torno do altar que a Igreja coloca seus cantores do louvor divino, porque Jesus é Eucaristia, e o Ofício Divino só pode ser dignamente celebrado com Jesus, em Jesus, por Jesus. Jesus Cristo, presente na igreja na Eucaristia, quer ser a alma, o centro, o móvel, a chave, o tudo do Ofício Divino.”

“E sendo a Eucaristia primeiramente um sacrifício, é o ato sagrado da Missa que constitui o coroamento quotidiano do Ofício Divino. Com a Missa se relacionam, portanto, todos os detalhes do Ofício do dia e da noite, textos, notas, cerimônias, determinação e escolha das horas. Assim, de acordo com sua natureza e tudo aquilo que lhe dá sua fisionomia exterior, o Ofício Divino é o culto eucarístico ao mesmo tempo o mais antigo, o mais racional e o mais completo. Quando falamos do Ofício, falamos da Missa, uma vez que o Ofício se relaciona com a celebração do divino sacrifício.” – É dela que ele tira o seu poder . – “A oração litúrgica concerne a toda extensão da crucificação de Nosso Senhor e da Redenção.”

Separado de Jesus, nosso louvor não seria nada. – “Deus eterno sendo o único que se conhece a si mesmo, só Ele próprio pode dignamente dar-se glória. A geração do Verbo, tal é o cântico por excelência do Ofício. O Ofício Divino é Deus mesmo celebrando sua glória pelo ministério de seu Verbo encarnado e da Igreja, sua esposa… O Ofício Divino é a compenetração mútua do Esposo e da Esposa (“Vox sponsi et sponsae”)[47] para dizer a Deus sempre e em toda parte, aqui em baixo e no céu, o hino da glória: Sanctus, Sanctus, Sanctus.”[48]

Deus não é pois indiferente a nenhum detalhe do Ofício Divino – “Não somente Ele inspira em segredo a oração, mas a dita, com as fórmulas, as modulações e as cerimônias de sua escolha.”

A .  A salmodia

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“O texto sagrado dos salmos é um ditado de Deus. Nós salmodiamos sob o ditado de Deus. Nossa alma não precisa senão se conformar a ele. Nós temos a certeza de dizer a Deus aquilo que Ele quer ouvir. Na  oração particular não podemos ter a mesma garantia.”

“Que honra para o homem cuja boca se abre dessa maneira para apregoar a palavra de Deus! Quando recitamos os salmos, o que dizemos é infinitamente superior àquilo que pensamos. Nunca, fora da salmodia, chegaríamos a compor um semelhante discurso. Deus nos eleva acima de nós mesmos fazendo-nos cantores de sua glória.”

Mas ficamos muito abaixo dessas palavras divinas. – “Há de um lado a palavra de Deus que, pronunciada por Ele, é magnífica, grande como Ele mesmo, e do outro lado, nossas pobres e pequenas inteligências cuja visão é limitada e cuja maneira de ver as coisas é muito imperfeita. Apesar das repetições, apesar do poder da inspiração divina, os salmos não podem deixar em nossa alma senão uma imagem muito incompleta das realidades que somos destinados a contemplar.”

São Bento a este respeito não recomenda menos que “SALMODIAR DE MODO QUE NOSSA MENTE CONCORDE COM NOSSA VOZ”[49]. “Como? Pela união com Nosso Senhor que vive no verdadeiro cristão, de maneira que, rezando este, é Jesus Cristo que reza nele e por ele.” – Santo Agostinho afirma com efeito que, “nos salmos, é Cristo que fala”[50]. – “Nossa voz só exprime uma coisa, Cristo, chave de todos os salmos, de todas as profecias, de todos os hinos: ela só exprime Cristo, porque Cristo é o único mensageiro de Deus, o único intermediário entre as criaturas e Deus.” – Santo Agostinho diz também: “Sempre, ou quase sempre, é preciso ouvir num salmo a voz de Cristo inteiro, a cabeça e o corpo”[51]. – “O salmo é uma reprodução da vida de Cristo e da vida das almas. Seu texto se relaciona sempre com Cristo, a Igreja, ou com as almas que compõem seu corpo, pois os salmos são feitos para a alma.” – Acha-se sempre aí, portanto, alguma coisa para nós? – “Mesmo para um iniciante, há um sentido.”

Que é necessário fazer para descobrí-lo? – “São Bento indica o único meio: a fé profunda e atual na presença de Deus, e é tudo. “CONSIDEREMOS, POIS, DE QUE MANEIRA CUMPRE ESTAR NA PRESENÇA DA DIVINDADE”[52], escreve São Bento. Esse meio é suficiente para produzir todas as outras disposições da oração íntima, com suas variadas nuances.” – Como é isso? – “Quando cantamos um salmo na presença de Deus, nossa alma fica atenta; então somos assistidos pelo Espírito Santo que nos comunica os dons de Sabedoria e de Entendimento.” – Por isso São Bento recomenda: “SALMODIAI SABIAMENTE”, “PSALLITE SAPIENTER”[53] – “Este pequeno advérbio, “SABIAMENTE”, indica de que maneira é necessário celebrar o Ofício Divino. Cantamos o Verbo Eterno. Cantemo-lo com sua nota, com o seu timbre. A nota do Verbo é a Sabedoria do Verbo. Portanto, a salmodia é a obra mais elevada de todas, aquela à qual se deve levar mais sabedoria. E esta sabedoria consiste no que diz Nosso Pai São Bento: “SIC STEMUS AD PSALLENDUM UT MENS NOSTRA CONCORDET VOCI  NOSTRAE”[54]. Importa que a inteligência tome parte, que ela se aplique a conhecer o sentido do texto sagrado. Nosso amor deve saborear os salmos. Nossa piedade deve nutrir-se deles. Se é verdade que não podemos nos demorar meditando cada versículo, é também verdade que uma só idéia bem penetrada pode nos ser suficiente para meditar todo tempo do Ofício.”

O senhor distingue o trabalho da inteligência e o trabalho do coração? – “Eles devem efetuar-se ao mesmo tempo. A inteligência deve se aplicar a conhecer o sentido do texto sagrado. Não poderíamos deixar de seguir as verdades que irradiam das palavras pronunciadas pelos lábios. Isso se faz com maior ou menor profundidade, mas o dever é de se exercitar nisso com método e perseverança. Esse trabalho preserva do vago e dos desvios. Para cada um dos textos, mesmo os mais elevados, encontra-se uma grande variedade de interpretações. Pode-se escolher a seu gosto. É necessário adotar o sentido que dá satisfação à verdade, às inspirações da alma. Que não se tenha preocupação, além da medida, com as circunstâncias exteriores às quais eles fazem alusão.”

Qual deve ser a parte do coração? – “É necessário meditar com o coração, quer dizer, com afeição. O texto do Opus Dei é estimulante para a consciência e para a vontade se a alma procura a Deus com retidão. Como as centelhas do amor sagrado não jorrariam com abundância, se Nosso Senhor só veio a este mundo e só canta nele sua Obra para inflamar os corações nobres? “Ignem veni mittere in terram, et quid volo nisi ut accendatur?”[55] Para cantar dignamente os louvores divinos, é preciso a plenitude do coração humano santificado pela graça, com todo o poder que ele tem de amar, de admirar e de agradecer ao Senhor.”

Então a salmodia é uma prece? – “Ela torna-se um diálogo com Deus. É a oração. Deixe-se envolver; é a substância da oração, da alma verdadeiramente fundida em Deus. É a oração mais completa, mais substancial, mais luminosa, mais concludente. A oração jorra das entranhas do Ofício Divino.”

“O Ofício Divino não consiste em articular sílabas, nem em um cerimonial: essas coisas exteriores são condutoras da alma às coisas interiores. A alma do Ofício é a contemplação, a vida mística, a substituição da nossa vida pela vida de Nosso Senhor. É Jesus vivendo em nós.”

B.  O canto

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“Executado sem canto ou mal cantado, o Opus Dei fica incompleto para nós e não temos o direito de dizer que ele está da maneira que Deus quis. “Cantate Deo”[56], “Psallite in cithara”[57]. Deus destinou nossa voz para cantá-Lo na eternidade. Deus quer que se O cante.”

Por isso os monges cantam. – “Se os monges amam, se cultivam com um zelo cuidadoso o canto gregoriano, é primeiramente para se conformar à Regra: “SICUT PSALLIT ECCLESIA ROMANA”[58]. É também porque cada vez mais a experiência lhes demonstra que o canto litúrgico é parte integrante do culto que eles devem a Deus.”

Eles sempre cantaram… “Foi um Papa, filho de São Bento, São Gregório Magno, quem redigiu de uma maneira definitiva a notação dos hinos e da salmodia para a Igreja Romana. Ele foi obedecido admiravelmente, mas em nenhuma parte com tanta fidelidade como nos mosteiros.”

“Em nossos dias, Dom Guéranger e os monges de sua Congregação de França restabeleceram a versão e a execução do canto de São Gregório. Pio X o impôs a toda a Igreja.”

O que o canto acrescenta à palavra? – “O canto é como uma palavra acrescentada à palavra para exprimir as mais altas verdades. Pelas modulações da voz, exprime-se não somente o sentido substancial dos textos, mas as nuances do pensamento, a variedade dos sentimentos, todos os acentos da alma em comunicação com o céu. Há acentos íntimos da alma que, traduzidos pelo texto, só se exprimem completamente pelas modulações da voz. Os neumas completam o sentido das palavras.” – Não é o sentido objetivo de uma palavra que o canto traduz…. “O que o canto deve dizer é a nota íntima da alma. Nosso Pai São Bento escreve no sétimo grau da humildade que “DEVEMOS CRER NO ÍNTIMO PULSAR DO CORAÇÃO”[59]. Esta palavra, aplicamo-la ao canto. É necessário que nossa voz exprima o que vem do mais íntimo de nossas almas, é necessário que estejamos penetrados pelo sentimento de Deus. Então, um sopro leva nossa alma até Deus.”

“A salmodia é a exigência da mais pura vida interior e da união adquirida.”

O canto gregoriano responde bem a essa exigência? – “A arte gregoriana procede de Deus e de sua contemplação.” – É uma arte difícil! – “Na vida monástica, há lugar para aulas de canto, às quais se dá uma atenção particular.” – Não há um risco de que se veja somente o lado estético? – “Monges e monjas, que Deus vos preserve sempre de ser executantes, quando deveis ser somente orantes. Se não houver o lado sobrenatural, o canto não dirá o principal que ele deveria dizer.” – O estudo do canto não favorece uma atenção exclusiva à forma externa do canto? – “O estudo, a teoria lógica demonstram com uma perfeita evidência o acordo que reina entre o sentido dos textos e os movimentos da notação gregoriana. Então, a execução torna-se fácil, simples, como que natural, e as almas que contemplam e rezam pelas palavras, cantam através dos neumas e do ritmo tudo que elas saboreiam e experimentam de mais íntimo.”

C.  As cerimônias

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“Eu desejo o restabelecimento das melhores tradições concernentes a todos os detalhes do culto.”

“As cerimônias e os ritos inspirados pelo Espírito Santo e conservados em seguida pela Igreja intervêm para acompanhar, com a atitude do corpo, toda a celebração do Opus Dei. Pelos seus gestos na cerimônia e por seu canto, o monge exerce o ministério exterior e a tradução visível do culto divino, enquanto que, em sua alma, ele oferece ao Senhor a homenagem de todas suas faculdades presididas pelo Espírito Santo, recolhidas, prosternadas e vibrantes em uníssono com os salmos e cânticos. As cerimônias feitas com perfeição acabam de dar à Missa e ao Ofício Divino toda sua fisionomia e assim ajudam a alma a perceber e transmitir o sentido íntimo das palavras.”

É o homem inteiro, interior e exterior, que celebra o louvor divino… “Todo o seu ser se expande e vibra na oração. É necessário para nós, e Deus o quer para sua glória.”

D.  O ofício da noite

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“A noite não é feita principalmente para o sono, mas sobretudo para favorecer as misteriosas relações de Deus com as almas e das almas com Deus, e para a procura da verdade sob todos os seus aspectos. Suas trevas, seu silêncio, um encanto puro e secreto que vem do alto, convidam a alma e a levam às ascensões interiores, luminosas e santificantes.” – É o momento mais favorável para recitar o ofício.

“Entre as observâncias que caracterizam o estado monástico, o Ofício da noite é, sem dúvida, a mais digna, a mais augusta e a mais importante. Depois da Missa, é a parte do Opus Dei mais solene e mais sagrada. É preciso estabelecê-la com firmeza e ser-lhe fiel. Os monges se sacrificarão, se necessário, para manter sua celebração durante a noite; ou se, para manter esta observância, for preciso amenizar as outras, é melhor fazê-lo, seja em favor da comunidade, seja em favor de certos particulares.”

“O Ofício da noite é a primeira e a mais essencial das grandes observâncias.”

E.  Pensamentos esparsos

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“É preciso celebrar o Ofício Divino de maneira a ser ouvido por Deus…”

“É preciso ter bem claras no espírito as intenções que nos são mais caras; nós rezamos pela Santa Igreja inteira, pelo gênero humano, por cada um de seus membros, por nós mesmos.”

“Quando colocamos uma intenção na oração, não é para limitá-la, mas para estimular nosso zelo e também para atrair mais eficazmente a misericórdia de Deus sobre tal ou tal pessoa.”

“Quer-se obter uma graça especial: o melhor momento para implorá-la é o do Ofício Divino. O melhor meio, a celebração da Obra de Deus.”

“Às vezes fazemos novenas; a melhor novena porém é a celebração do Ofício Divino.”

“Deus está disposto a nos visitar no íntimo de nossos corações. Ele vem. Mas, e se Ele nos encontra ausentes?”

“Um simples olhar para o lado dos fiéis prova que não se pensa em Deus nesse momento.”

“No Ofício Divino só há três coisas a olhar: o altar, seu livro e, para seguir os movimentos do coro, aqueles que estão a seu lado.”

“A postura ajuda muito a atenção.”

“A mortificação exterior e interior, em todos os detalhes da vida, é o melhor remédio contra as distrações.”

“As faltas mais duramente castigadas no Purgatório para os monges serão as faltas cometidas durante o Ofício. Ver-se-á então o que é o primeiro mandamento!”

2. – A ORAÇÃO

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“É uma grande aberração pensar que o Opus Dei termina. Ele não termina. Mesmo quando nossos lábios estão imóveis, uma palavra interior ressoa, e é essa que Deus ama. O Ofício deve nos pôr em oração.”

São Bento recomenda a oração no capítulo quatro: “Entregar-se freqüentemente à oração”[60]. – “O fundo da vida monástica é a oração. Nós devemos considerar a oração segundo a Regra, não como um exercício que começa e acaba em momentos determinados, mas como algo que não se interrompe nunca. O que Deus quer de nós é a freqüência que faz da oração a ocupação habitual e, de certa maneira, a respiração de nossa alma.”

O Pe. Muard fala da mesma forma: “Segundo o preceito de Nosso Senhor, a oração do monge beneditino deve ser contínua. Ele deve rezar em todo tempo e em todo lugar, de dia, de noite, durante seu trabalho; mesmo no meio do mundo, quando ele for obrigado a estar aí, seu espírito e seu coração devem estar aplicados em Deus por uma contínua e amorosa oração, pois é nisso sobretudo que consiste o espírito de oração tão recomendado pelos santos.”[61] – “Não há oração verdadeira nem frutuosa se ela não for assídua. As riquezas e a força da oração estão prometidas à assiduidade perseverante.”

Como se faz oração? – “Quando eu faço oração mental, dirá alguém, fico com a cabeça cansada! – Você não fez oração, você não sabe fazê-la! Faz-se oração com a cabeça? Especula-se na oração como nos cálculos matemáticos?”

“Também não se trata de ir sonhar, dormir diante do Santíssimo Sacramento. É preciso, ao contrário, que a alma esteja bem desperta, que ela tenha um assunto determinado, que ela escute Deus.”

“Fazer oração mental é procurar Deus no santuário íntimo de nossa alma. Pouco importa a maneira pela qual procedemos. Pouco importa a forma. Na vida espiritual, a oração é o que há de mais subjetivo[62] É como o temperamento, o caráter. Se se pudesse tornar visíveis as orações, compará-las, o fundo seria idêntico, mas a fisionomia muito variada. A oração vem do alto, mas ela se individualiza, se adapta e toma necessariamente características subjetivas em cada um de nós.”

“O segredo da oração é bem simples: “Gustate et videte”[63], “Provai e vede”. A oração só é complicada quando os homens querem intrometer-se nela. Eles fazem tratados sobre cada um dos pontos que a tocam. Hoje todo o mundo quer escrever. Há revistas ascéticas, místicas. Na antigüidade e até o século XVI, só havia um método de oração: o método de Deus. No século XVI aparece o método do homem. Este último dominou tudo e, pode-se acrescentar, desfigurou o ascetismo beneditino. Cabe a nós voltar a ele de velas soltas. Madame Cécile Bruyère não fez senão demonstrar isso no seu livro ‘Oraison’.”

Mas é necessário um método?[64] – “A Regra monástica é toda ela, no seu conjunto e nos seus detalhes, um método de oração, o primeiro e o melhor de todos os métodos de oração. Examinada em seus detalhes com relação à oração e à vida interior, ela aparece como uma via luminosa, arrebatadora e fácil, que leva unicamente a esse encontro da alma com Deus.” – Como assim? – “Aqueles que cumprem seus preceitos e tomam seu espírito, adquirem a PUREZA DO CORAÇÃO, A COMPUNÇÃO DAS LÁGRIMAS E A HUMILDADE indicadas pelo Santo Patriarca como fontes íntimas e fecundas da oração.”[65]

São Bento descreve na sua Regra o monge em oração: “SE TAMBÉM OUTRO, PORVENTURA, QUISER REZAR EM SILÊNCIO, ENTRE SIMPLESMENTE E ORE, NÃO COM VOZ CLAMOROSA, MAS COM LÁGRIMAS E APLICAÇÃO DO CORAÇÃO”[66]. A que ele aplica seu coração? – “AUSCULTA, O FILI.”[67] “Escute Jesus. Onde? Como? Quando? No seu próprio coração, num coração onde reina o silêncio interior, na oração. Como é raro o silêncio, a atenção verdadeira e contínua! Nós costumamos nos dispersar com aquilo que está em torno de nós e, dentro de nós, guardamos simpatias por todo o tipo de ruído. Muito depressa fazemos em nós eco das coisas exteriores. É preciso voltar suavemente desse exterior, de todo esse barulho, de todo esse ruído ao silêncio interior.” – Como afastar nossas distrações? – “Sirvamo-nos de nossas distrações para fazer oração. Se não for um pensamento ruim, nós sempre podemos encontrar aí um primeiro grau de colóquio com Deus. De ordinário, aliás, a alma não está impedida pelas distrações, mas está, antes, sob o peso do torpor, da preguiça espiritual. É preciso despertá-la.”

“AUSCULTA, O FILI”. Jesus só pode fazer suas confidências à alma atenta, à alma mergulhada no recolhimento da oração. O que é preciso fazer, o que a Regra pode fazer é, pois, purificar nossos corações. Assim que o coração estiver suficientemente purificado para ver a Deus, a inteligência fica iluminada. Então a oração é bem simples. Tão simples assim? Perfeitamente: “Provai… e esquecei todo o resto.”

Qual é o tema da oração? – “A oração tal como a concebe São Bento tem por tema o próprio texto do Ofício Divino. Ela brota das entranhas do Ofício Divino. Ela deve ser simplesmente a degustação e a digestão da liturgia.”

“O Ofício Divino é, portanto, a fonte inesgotável, o alimento sempre renovado da oração. A Regra é o modelo dela. O Missal e o Breviário são os verdadeiros livros de meditação e de oração. Que diferença! Tomar um tema de oração na própria palavra de Deus ou dos santos aprovados pela Igreja, ou tomá-lo numa palavra piedosa, mas que, por seu lado humano, é só um comentário enfraquecido, um eco bem longínquo do pensamento divino. Nossa oração deve, pois, primeiramente tirar toda sua substância dos esplendores espirituais do Missal e do Breviário e, em segundo lugar, fazer saborear à alma consagrada as delícias escondidas que aí estão.”

“Durante o Ofício, deixe-se envolver por ele. Em seguida, continue a saborear o que foi recolhido durante o Ofício e no silêncio, interrogue as idéias assim semeadas. A oração, que é a nota íntima do Ofício Divino, torna-se em seguida o seu eco prolongado, o perfume precioso, o fruto pessoal apropriado às disposições e às necessidades de cada um segundo a conduta do Espírito Santo.”

“Como o Ofício Divino recomeça sete vezes ao dia e uma à noite, o rio da oração corre sem cessar entre os filhos de São Bento, e a alma que sempre permanece à sua margem abençoada pode aí se dessedentar abundantemente de maneira a sentir seu frescor salutar da manhã à tarde e da tarde à manhã.”

“Emanando de todos os detalhes da vida monástica, a oração dos monges é uma oração que impregna progressivamente toda a alma do monge fiel. Ela não é uma oração de teoria metódica e raciocinada, mas de prática, colhida sem cessar nas inúmeras e divinamente perfumadas flores da Liturgia. Ela circula nas nossas fileiras, guarda os corações, alegra os semblantes, afasta toda sombra, ornamenta o claustro, é o contato perpétuo das almas com Jesus e entre elas.”

“No fundo, a oração dos monges consiste em se manter, como faziam os santos, constantemente na presença de Deus.”

Como saber se a oração tem sido bem feita? – “A única marca da boa oração é a obediência com humildade, o culto do dever e o sacrifício de si mesmo.”

Quais são os efeitos da oração? – “Se a alma regulasse todo seu interior pela influência da oração, ela se divinizaria, ela se simplificaria e tornar-se-ia um verdadeiro soldado da Regra e de Cristo. Conheço pessoas que ganhariam em argumentar e raciocinar um pouco menos, economizando tempo e trabalho e que veriam mais claro e mais certo.”

“Uma alma de oração adivinha a verdade. Ela tem o instinto da verdade. Por que se espantar? Ela está em contato com a própria verdade. A oração dá o senso das verdades práticas. A mais contemplativa das almas é ao mesmo tempo a mais prática e eficaz na vida ativa, a mais fecunda.”

“Uma alma de oração é uma alma de Deus, ela pertence a Deus e só existe para Deus.”

3. – A LEITURA

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“Nosso Pai São Bento estabelece a leitura nos intervalos dos ofícios.”[68]

É um exercício importante? – “Sem dúvida a alma vive de Deus, através da comunicação direta que Ele se digna nos fazer dEle mesmo pelo Sacramento da Eucaristia. Mas é preciso que ela viva de Deus do ponto de vista da verdade.” – Poucas almas vivem assim dEle! – “Só há um infortúnio nesta terra, é o de estar fora da verdade. O mundo está doente por causa da diminuição das verdades e do medo do sobrenatural.”

Qual é a causa dessa diminuição das verdades? – “Desde a invenção da imprensa, o palavrório tornou-se um flagelo. Uma olhada nos jornais mostra que todas as inteligências foram mais ou menos atingidas. Em todas as esferas sente-se a oscilação e a incerteza. Desconfie de todas as publicações novas, mesmo das que se dizem piedosas e católicas, mesmo que muito recomendadas. O liberalismo, o racionalismo, o naturalismo, o modernismo, essas várias deformações do espírito cristão se infiltram em toda parte. É como uma vertigem universal e contagiosa.”

Como escapar do contágio? – “Nosso Senhor suscita e quer reservar para si novos mosteiros não somente para dar a idéia da santidade, mas como campos entrincheirados de ortodoxia pura e de santa razão. Ainda que não sejamos gênios, quero que sejamos de uma ortodoxia imaculada.”

O que se deve ler? – “O que é necessário não é a quantidade nem o volume, mas a qualidade. Pouco, bom, seguro.

1. de preferência, a palavra de Deus;

2. em seguida, os livros santos escritos pelos santos, indicando os meios de adquirir a santidade;

3. a vida dos Apóstolos, dos Mártires, dos Confessores e das Virgens e

4. livros que mostrem de que maneira é preciso praticar a vida interior, a vida ascética, a vida espiritual.”

“Aí estão os livros de preferência. Se pensarmos bem, são os únicos que devem ser lidos nos mosteiros.”

A.  Sagrada Escritura

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“Acima de todas as leituras está a leitura da Sagrada Escritura. A Bíblia está acima das elucubrações humanas, como o céu está acima da terra. Ela deve ser a matéria do trabalho intelectual dos monges e das monjas. A Sagrada Escritura, Verbum Dei, é o centro de nosso movimento intelectual. Os exemplos que nos dá toda a antigüidade, que nos dão sobretudo os monges, se resumem nisto: o recurso à Sagrada Escritura, o estudo insaciável da Sagrada Escritura, a busca de Cristo na Sagrada Escritura.”

Como ela deve ser lida? – “Há duas maneiras de ler a Escritura:

1. Ler a Sagrada Escritura materialmente e compreendê-la de uma maneira muito limitada, o que é o caso dos que criticam e esmiúçam o texto sagrado. Esmiuçar: sim. Mas não como modo de conhecer bem o pensamento de Deus, porque em vez de se penetrar no âmago da sua palavra, fica-se no exterior, perde-se tempo a considerar opiniões diferentes do ponto de vista acessório dessa palavra divina, da perspectiva pela qual ela se liga ao tempo decorrido e até à literatura.”

2. Ou então ler a Sagrada Escritura de modo a compreender o sentido que Deus quis realmente colocar nela para cada um de nós. Os Livros Santos têm um sentido universal que se dirige à multidão e um sentido particular que se dirige à cada alma. Há aí alguma coisa para nós. Lemos uma carta de Deus endereçada a nós. Uma simples palavra saída dos lábios divinos visa inumeráveis almas, as almas de todos os que passam nesta terra de geração em geração. Deus se dirige a cada um de nós como se fôssemos únicos no mundo. É por isso que é raro que um texto da Sagrada Escritura não seja resposta a um pensamento de nossa alma, a um desejo de nosso coração. Se nós procuramos Deus, é ainda mais verdadeiro que Deus nos procura; se nossa alma estiver voltada para Ele, há um encontro: o olhar de Deus e o olhar da criatura, o movimento da alma e o movimento do Senhor se encontram.”

“É uma temeridade pegar os Livros Santos e lê-los como se leria uma obra qualquer; é, do ponto de vista espiritual, uma grande inépcia: decifraríamos os caracteres, soletraríamos as sílabas e não compreenderíamos o que Deus nos concede compreender. Se, ao contrário, rezamos com humildade, Ele fará a nossa alma recolher por meio do texto algo que lhe foi destinado desde toda eternidade. Nossa leitura torna-se bem pessoal, absolutamente como a oração. Ela se adapta ao nosso estado atual de alma, à nossa capacidade de compreensão, às disposições de nosso coração, e nos coloca em oração.”

Como ela faz isso? – “A própria vida de Deus circula nessa palavra. As palavras humanas são cadáveres de palavras. As palavras divinas são palavras vivas; elas são vivas da vida de Deus, pois Deus quer se esconder sob a letra para se comunicar à nossa alma. Se ela nos comove, é Deus que, na sua bondade, se esconde sob a casca da letra a fim de nos falar.”

“Nada é comparável à palavra divina! Ela dá um impulso para o bem. Ela nos inebria da santidade infinita, nos dá a idéia do que pode nos fazer adquirir a santidade, ela tem um grande poder de persuasão, de atração pelas virtudes mais difíceis.”

B.  Evangelho

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“O Evangelho! Eis o livro dos livros! Ele é por excelência o livro dos padres e das almas que aspiram à perfeição, das almas consagradas. Todas as questões que interessam à nossa salvação, ao bem dos nossos irmãos, à nossa vida pessoal, se encontram resolvidas no Evangelho. Antes de procurar neste ou naquele livro, ou nas academias a solução dos problemas que se relacionam com nossa perfeição, recorramos ao Evangelho. Que a sua leitura seja uma leitura atenta, assídua, refletida, continuamente recomeçada. Com a leitura do Evangelho, quanto tempo ganho, quanto proveito para a reflexão pessoal, para a oração, para a glória de Deus! Que grande campo para a ação divina! Deixemos tudo e vamos ao Evangelho, interroguemos o Evangelho! O Evangelho não é menos que o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo. O Senhor nos espera nele. Ele está aí, bem perto de nós, ao longo de todos os textos do Evangelho, a cada proposição, a cada palavra; Ele está vivo, presente, pronto a nos conduzir, a nos manifestar cada vez mais sua bondade, sua misericórdia e seu amor!”

Em 1917 Dom Romain dá como leitura de Quaresma para todos os seus monges “o Evangelho integral de São João, em reparação das iniqüidades de Loisy e para conhecer mais intimamente Nosso Senhor. Essa leitura deve ser feita não de uma maneira exegética e sob forma de estudo, esclarecia ele , mas com a fé simples de Abraão e em oração.”

Ele queria que seus monges se tornassem “encarnações do Evangelho, almas evangélicas”.

C.  Documentos da Santa Sé

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“É preciso ler assiduamente os documentos da Santa Sé. No mundo não há mais verdade senão em Nosso Senhor, em seu Vigário e nas almas que aderem íntima e incondicionalmente a esse sol e a esse refletor estabelecido por Ele mesmo.”

Como se deve lê-los? – “Para entender o Papa, é preciso desembaraçar sua palavra das variadas combinações pelas quais cada um se esforça por interpretá-la segundo seu sentido privado.”

“Que pelo menos no claustro se compreenda o que é ser verdadeiramente filho da Igreja, sem variante, inteiramente, ou então não seremos dignos de São Bento. Procurem-se as concessões que Nosso Pai São Bento fez ao espírito do mundo! Ou se é católico ou não se é! Tudo ou nada! É preciso não ser católico sob condição, mas católico ao pé da letra: católico com a Santa Sé, com o Soberano Pontífice, com os Bispos, os padres que estão encarregados de nos dirigir; católico em toda parte, em toda circunstância. Inútil tentar escapar: a palavra de Deus não suporta o contrário. Tudo ou nada na Santa Igreja. Se comprometemos alguma de suas leis, comprometemos tudo.”

D.  Santo Tomás

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“É preciso colocar todo nosso ensino, tudo, tudo, sob a proteção do Doutor Angélico. Pio IX, Leão XIII, Pio X tanto o recomendaram! E em certo Seminário Maior se tem um tão perfeito desdém pelo príncipe da filosofia católica e da teologia! Como é lamentável! Aqui, somos cada vez mais tomistas.”

Que pensa o senhor de Santo Tomás? – “É um espírito de tal modo correto, de tal modo razoável! Ele esclareceu tanto a doutrina da Igreja e também a doutrina da vida monástica! Nós devemos, no íntimo de nossa alma, ter uma lembrança bem especial, permanente, desse grande santo; devemos merecer receber dele auxílios preciosos. Que ele nos conserve na virgindade da ortodoxia da fé católica. “Casta veritatis virginitas”[69], em linguagem católica é a ortodoxia, isto é, a inflexibilidade da verdade.”

E.  Estudos

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“Só há uma ciência, a que vem diretamente de Deus. O objeto da ciência é Ele. Trata-se de conhecer a Deus, depois nós mesmos e nosso destino. Deus não quer que se prejudique a integridade da verdade que Ele revelou. Ele é extremamente cioso dela.”

Por quê? – “Deus se identifica com sua doutrina.”

Fora da Sagrada Escritura, dos documentos da Santa Sé e de Santo Tomás, onde encontraremos essa doutrina? – “Na Patrologia.” – Em nenhuma outra parte? – “Sim, mas a segurança só se encontra nos livros escritos pelos santos.”

O senhor quer a ciência para os seus monges? – “Creio que eu seria capaz de fazer grandes sacrifícios para adquiri-la e transmiti-la à comunidade. Mas o que ambiciono não é o brilho, nem a fama, nem o renome, nem obras publicadas, mas a doutrina bem ortodoxa, uma medida razoável de erudição, uma literatura antiga, sobretudo latina e francesa, não decadente, mas do autêntico século XVII, o culto e o amor do trabalho por Deus. Tudo isso acompanhado da mais sincera humildade. Que se vá ao fundo das questões. Os princípios continuam princípios. Se nós os acolhemos em sua plenitude, somos discípulos da verdade.”

Como se deve estudar? – “Em forma de oração. Ler-se-á muito mais com o íntimo da alma do que com a cabeça.” – O que o senhor quer dizer? – “É preciso que sejamos sensatos, calmos, fiéis às nossas obrigações, almas interiores. Então Jesus-Verdade falará no segredo de nossos corações. A verdade não faz barulho. Ela não é turbulenta. Ela não se prodigaliza. É preciso procurá-la no fundo do coração, controlá-la com a ajuda das virtudes. O estudo é uma ocasião que se dá ao Senhor de falar à alma. É uma audiência que Deus nos dá. É uma oração que nós fazemos.”

“Se não se ler assim os livros espirituais, não se encontrará nada, não se tirará daí nenhum proveito.”

O estudo assim feito é saboroso. – “Aquele que é de Deus põe suas delícias em ouvir a palavra de Deus. Os doutores e a experiência mostram que é assim. Essa solicitude se mostra em tudo quando a conversão é sincera e consumada. O afastamento e o desdém das santas leituras indicam, com certeza, uma decadência da alma ou um obstáculo secreto à graça. Saber é incômodo quando não se quer conformar sua conduta ao que se sabe.”

O senhor quer, portanto, que se seja assíduo ao estudo? – “A ciência que não é mantida pela assiduidade se desvanece rapidamente. Ao contrário, quanto mais se demora no estudo, mais se é cativado por ele, porque Deus se revela e se dá pela virtude escondida das santas leituras.”

4. – O TRABALHO MANUAL

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“A OCIOSIDADE É INIMIGA DA ALMA”, diz São Bento [70]. “A ociosidade é um pântano para nossa natureza; quando a natureza cai nesse pântano, apodrece. Nossa alma foi criada para agir, ela tem necessidade de ocupação.”

“POR ISSO, EM CERTAS HORAS, DEVEM OCUPAR-SE OS IRMÃOS COM O TRABALHO MANUAL E, EM OUTRAS HORAS, COM A LEITURA ESPIRITUAL.”[71]

“A comunidade é uma sociedade de trabalhadores que fazem não um trabalho qualquer e de amador, mas esse trabalho a que recorrem os bons pobres para ganhar, com o suor de seu rosto, o pão de cada dia.” São Bento quer que o mosteiro produza “TODO O NECESSÁRIO”; ele prevê “MOINHO, HORTA E OS DIVERSOS OFÍCIOS QUE SE POSSAM EXERCER DENTRO DO MOSTEIRO, PARA QUE NÃO HAJA NECESSIDADE DOS MONGES VAGUEAREM FORA”[72]. “SERÃO VERDADEIROS MONGES, diz ele, SE VIVEM DO TRABALHO DE SUAS MÃOS.”[73] O Pe. Muard queria igualmente queo trabalho dos membros da comunidade servisse para sua manutenção[74].

“O exemplo de Nosso Senhor pobre e vivendo do trabalho de suas mãos – as mãos do Salvador do mundo eram mãos calejadas! – nos impõe essa grande lei do trabalho. O trabalho é uma parte da pobreza… O trabalho, a ferramenta e o ofício são os mais nobres e os mais verdadeiros instrumentos de penitência… O abandono e, com mais forte razão, o desdém do trabalho manual é um prejuízo para a Regra e para a observância monástica.”

“Conduzido com discrição, o trabalho agrícola e da horta de toda a comunidade fortificará os fracos, saneará os cérebros e dará excelentes resultados. Se for útil, nada se opõe a uma mudança temporária das horas, à supressão de conferências ou leituras de menos importância, num caso de necessidade urgente.”

“O trabalho e a piedade estão intimamente ligados. O trabalho serve para ver o que vale a piedade. Não tenho confiança numa piedade que, sob pretexto de devoção, se afasta do trabalho. O trabalho é uma excelente preparação à vida interior. Quanto mais nos entregarmos à vida interior, mais teremos a compreensão da lei do trabalho.”

Como se deve escolher seu trabalho? Primeiro princípio: “Em comunidade é indispensável que o trabalho seja indicado somente pela obediência. Que vale um trabalho fora da obediência? Ele merece o castigo. Ele o terá segundo esta palavra de São Bento no capítulo VII: “A VONTADE MERECE O CASTIGO.”

Segundo princípio: “Não escolhamos nosso trabalho. Que não me consultem, que não cuidem dos meus gostos.” O Pe. Muard diz com efeito: “O monge não será livre para escolher o gênero de ocupação que lhe agrada mais. Cabe ao superior indicar a cada religioso o gênero de trabalho ao qual ele deve se aplicar.”[75]

Terceiro princípio: “Sejamos constantes. Não nos contentemos de tentar. Permaneçamos na tarefa até vir a ordem de parar… Como é raro o verdadeiro devotamento! O devotamento que consiste em se dar continuamente, apesar das dificuldades, do desgosto, com o sentimento de que se é o servidor dos outros.” O Pe. Muard recomenda também rejeitar “todo pensamento de desgosto, de preguiça ou de amor próprio” e se consagrar ao trabalho de “todo seu coração.”75

O que o senhor chama um encargo? “O encargo é um trabalho confiado a um monge de modo permanente. É uma bela maneira de se renunciar. Encontrei pessoas bastante singulares para dizer: “Ah! Enfim! Agora eu tenho um encargo, vou fazer o que bem me entende!” Falar dessa maneira é uma estupidez. Na realidade, ter um encargo é pertencer à comunidade. Há dois lados no encargo: o lado de Deus e o lado pessoal. Ora, os tolos, e eles são muitos, voltam-se para o lado deles mesmos e, então, ficam presos como moscas no mel; quando elas pousam suas patas nele, não podem mais voar. Seria preciso, ao contrário, abandonar tudo o que é pessoal, sobretudo quando se é chefe de encargo. Pois, ser chefe de encargo é ser servidor do encargo e de todos aqueles que fazem parte dele.” “Ele se proporá como fim único de seu trabalho, diz o Pe. Muard, a glória de Deus, a salvação das almas e sua própria santificação.”[76] “O trabalho não é senão um meio de salvação e de perfeição, um meio de santificação.”

5. – A ESCOLA MONÁSTICA

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O senhor quis, desde o começo da fundação de En-Calcat, que seus monges, a exemplo de São Bento, educassem crianças, e o senhor abriu uma pequena escola monástica. “Uma escola de santidade!”

Quantos alunos os senhores têm? – “Nós só admitimos um número restrito de meninos a fim de poder escolhê-los com mais severidade e cuidar melhor deles.”

O que o senhor recomenda aos seus professores? – “Que eles façam convergir para Deus, a religião e a piedade todo o trabalho intelectual das crianças. Tanto quanto possível, a fim de atingir esse objetivo, eles tirarão dos livros santos e dos escritores eclesiásticos a matéria das lições e das tarefas.”

Os meninos cantam nos ofícios do domingo. – “Que se cultivem suas vozes, que lhes ensinem o canto gregoriano.”

O senhor está satisfeito com os resultados obtidos? – “Nem em um colégio, nem em casa seria possível obter o que nos dão as crianças aqui. Menos brio vão e fútil, com o qual o mundo se contenta e se inebria e mais seriedade, solidez, perenidade. Quem sabe se o desmoronamento moderno não chamará os monges para reconstruir pela base a educação antiga? Fazer homens que sejam homens e que, então, possam tornar-se cristãos completos. Seja como for, a Regra formou a cavalaria, seus guerreiros de ferro e suas grandes damas, mães do espírito francês. Os sistemas modernos engendraram os operários da revolução e as damas da frivolidade universal com uma lamentável diminuição da fé, da razão, do caráter e da robustez corporal por toda a parte.”

6. – AS MISSÕES

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A obra inspirada por Nosso Senhor ao Pe. Muard tinha por fim “a pregação da penitência”[77]. Mas nem todos os monges pregam: eles são “distribuídos cada um segundo sua aptidão, uns na pregação, outros na oração e no estudo, outros no trabalho manual.” Se alguns “saem de seu deserto como outro João Batista”[78], a maior parte permanece no mosteiro “para fazer descer graças de conversão sobre os pecadores pelo fervor de sua oração, enquanto os missionários se esforçam por trazê-los de volta a Deus por suas instruções”[79]. Pois, “neste século que não reza, que só sabe maldizer e blasfemar, os homens de oração não são menos necessários que os pregadores”[80].

A que gênero de apostolado se destinam seus monges? – “O monge deve preferir os ministérios humildes e obscuros que se exercem no campo ou junto aos pobres. Sem excluir nenhum gênero de apostolado autorizado pela Igreja, devemos nos ater, ordinariamente, às missões populares e aos retiros dados seja nas paróquias, seja nas comunidades religiosas.”

Como os monges se preparam para a pregação? – “Eles devem se aplicar, principalmente, ao estudo da Sagrada Escritura, da Teologia dogmática, moral e mística, dos Padres e da História da Igreja, dos autores sagrados, sobretudo os mais antigos e mais ortodoxos. Quanto mais eles se concentrarem no círculo da lei divina, mais estarão em condições de dar à sua pregação a qualidade primordial que é o ensino da doutrina católica. Quanto à liturgia, ela é o pão de sua piedade e, freqüentemente, dará a seu discurso um sabor todo divino.”

O que eles devem pregar? – “Se todos os pregadores só fizessem ouvir o Evangelho, as trevas da ignorância estariam menos profundas, a fé estaria menos ameaçada. Mas lhes repugna dar a palavra de Deus na sua simplicidade.”

Como voltarão a essa simplicidade? – “Que eles tenham fé na sua missão. Eles devem estar bem convencidos de que, quando falam, Deus está com eles e vivifica sua palavra.”

Durante seus ministérios, devem continuar sua vida de oração. – “No dia em que viverem mais do exterior que do interior eles estarão em perigo.” O monge deve procurar a santidade no exterior tanto quanto no mosteiro… “O monge em missão está obrigado à santidade por causa do socorro extraordinário que o povo e o clero esperam dele.” Para isso basta continuar monge. “Os monges missionários só serão abençoados na proporção em que continuarem monges.”

7. – O REFEITÓRIO

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“Nos mais antigos mosteiros, a arquitetura do refeitório imita fielmente a arquitetura tão imponente e religiosa da igreja. Para que essa imponência, se o refeitório só servisse para aí se tomar os alimentos tão pobres da austeridade monástica? Não é por causa da palavra de Deus e das orações especiais que precedem e seguem as refeições? Eu penso que sim.”

No princípio da refeição se canta, solenemente, uma passagem da Sagrada Escritura. – “Sem dúvida, por essa leitura pública, fazemos um ato de grande reverência para com a Sagrada Escritura. É preciso, entretanto, ser realmente senhor de si mesmo para, num momento como esse, apreender não digo toda a leitura, mas mesmo alguma coisa da leitura, algo que se recolhe e que permanece. Que se conseguisse uma frase, já estaria bom! Se fôssemos atentos, não digo com uma atenção de contemplação (não é possível durante a refeição), mas com uma atenção suficientemente desperta – “O que se lê? Qual o sentido do texto?” – se fôssemos atentos o suficiente para recolher a cada leitura da Sagrada Escritura uma migalha, uma frase, Deus o veria bem. Ele veria que nós O procuramos, que queremos encontrá-Lo, que desejamos receber dEle uma luz. Ele não deixaria de corresponder à nossa disposição interior.”     

Em seguida, faz-se uma leitura durante toda a refeição. “ÀS MESAS DOS IRMÃOS NÃO DEVE FALTAR A LEITURA”, diz São Bento[81]. Quais livros escolher?

1º Eliminar tudo o que for medíocre, simplesmente curioso ou moderno demais;

2º Ater-se rigorosamente aos bons livros, de preferência aos antigos, de uma ortodoxia virginal, referindo-se à Igreja, ao nosso santo estado e capazes de se impor por estas quatro características: instrução, edificação, interesse, valor literário;

3º Certos artigos de jornal não estarão deslocados, desde que:

1) sejam de interesse geral;

2) essa leitura não seja freqüente;

3) o jornal seja de um catolicismo realmente puro e romano.

Como se deve ler no refeitório? – “É preciso edificar os ouvintes, que devem entender o que está sendo lido. Nada fica audível sem uma articulação bem clara. A condição para que a leitura interesse é que ela penetre no espírito e que ela leve a ele o sentido que lhe é próprio. Somente a articulação dá às palavras o tom que lhes convém.”

De que modo come o monge? – “A vontade eficaz de se mortificar em alguma coisa, juntamente com a oração, formam a condição indispensável para que um monge não deixe de ser monge cada vez que é obrigado a tomar seu alimento.” – A que horas toma sua refeição? – “O horário do claustro para as refeições se aproxima bastante do horário do mundo.” Antigamente, durante a Quaresma, os monges ficavam em jejum até a tarde. Até os próprios trapistas tiveram que renunciar a esse jejum. “Há muito tempo já, apesar de seu zelo pela observância, eles não podiam mais, exceto em número muito pequeno, observar completamente o horário antigo. Chamado várias vezes para lhes pregar retiros, tive a felicidade de ver os últimos que mantinham um horário de jejum que, ao que parece, não deverá voltar, estando as forças hoje em dia tão diminuídas. De certa forma, com meios diferentes mas equivalentes, os discípulos da Regra encontram e praticam o jejum. O espírito da Regra impõe e faz aceitar, de bom grado, a privação de muitas coisas supérfluas e a refeição em horas bem determinadas.”

São Bento estabeleceu que todos seus monges “ABSTENHAM-SE COMPLETAMENTE DE CARNES DE QUADRÚPEDES, EXCETO OS DOENTES DEMASIADAMENTE FRACOS”[82]. “Na vida monástica, esse preceito de abstinência é fundamental.” O Pe. Muard assegurava que é o “mais possante meio de conservar o espírito de sua congregação”. Mas ele levava a abstinência mais longe que São Bento, decidindo que seus filhos se contentariam com “legumes, verduras ou hortaliças e frutas”, excluindo “todo tipo de carne, peixe, ovos, manteiga, queijos e laticínios, óleo, açúcar e mel”83 . “Pio IX pediu que os Beneditinos de La Pierre-Qui-Vire se contentassem com o texto da Regra.” – Os senhores mantêm a abstinência dessa forma? – “Nós proclamamos e queremos, para sempre, em nosso mosteiro, a lei da abstinência tão claramente e tão discretamente instituída por Nosso Glorioso Pai, sempre renovada pelos santos reformadores, tão amada pelo nosso Pe. Muard, enfim, conservada em nossos dias, com a bênção da Igreja, no seio de todas as ordens que retomaram a observância antiga. Seria uma falta capital tocar no princípio da abstinência e estabelecer que a comunidade comeria carne “tantas vezes” por semana. Não se poderia criticar as comunidades que, em razão da debilidade bastante evidente do temperamento atual, praticam a dispensa geral durante uma parte do ano. Mas é preferível manter o princípio da abstinência tal qual ele está formulado na Regra.”

Entretanto, em suas cartas, percebe-se que o senhor estava preocupado em melhorar o regime de sua comunidade. – “Para facilitar a prática da abstinência, a fim de que um número maior possa mantê-la.”

8. – A CELA

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São Bento fazia dormir seus monges, “NUM MESMO LUGAR”,[83] em dormitório[84]. “Ele queria que os irmãos de armas não se separassem nem mesmo durante as horas de sono.” Atualmente o dormitório é dividido em celas. “É uma mitigação da austeridade primitiva, mas também um meio de favorecer o silêncio e a contemplação.”

Como são mobiliadas as celas? – “Que o mobiliário das celas respire a mais estrita pobreza: uma pequena mesa para escrever, um banco ou uma cadeira comum, uma bacia e um jarro para água e, como ornamento, uma cruz sem imagem, pintada de vermelho. Três tábuas sobre cavaletes ou numa armação de cama de ferro, com um acolchoado fino, um travesseiro de palha, lençóis e cobertores de acordo com o clima, tal é o leito composto segundo o texto da Regra.” É uma cama dura! – “É preciso que um monge possa dormir. Mas é preciso que o seu sono seja o de um trabalhador e de um combatente, não o de um preguiçoso e de um sensual. É preciso que o monge, se tiver inspiração e força para isso, possa se imolar até no seu sono. A noite deve ser marcada por essa nota de penitência e de imolação quanto à maneira de tomar a medida indispensável de sono.”

Quem cuida das celas? – “Cada um limpa a sua. Isso se faz corretamente, sem lentidão, sem cuidado excessivo. Uma vez adquirida a experiência desse pequeno movimento, é preciso que em dois ou três tempos esteja feito e bem feito.”

Não se fala nas celas… “Quando tiverem necessidade e permissãol de conversar, os monges o farão exclusivamente nos lugares designados para tal.”

“Devemos considerar nossa cela como um santuário.”

“Todas as vezes que a obediência e nossas ocupações nos derem a liberdade para isso, devemos fazer nossas delícias em permanecer nas nossas celas sob o olhar de Deus. É preciso estarmos aí com uma grande dignidade. Não há ninguém? Há Deus. A cela é o vestíbulo do céu, é um segundo santuário.”

CAPÍTULO IV :O espírito monástico

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“O espírito monástico? É o espírito de Deus, o puro espírito católico; um espírito de oração, de humildade, de solidão e de silêncio, de dileção fraterna no interior e de zelo no exterior! Aí está nossa verdadeira fortuna, nossa vida, nossa força do presente e do futuro.”

“Ele é principalmente a perfeição do espírito cristão, sem nada acrescentar e sem nada retirar, tal qual Jesus no-lo deu, tal qual a Igreja no-lo ensina. Amplo, largo e simples como Deus mesmo, ele não destrói nada do que a natureza fez, somente o toma, o eleva e o sobrenaturaliza.”

“A característica mais relevante do espírito de São Bento é o “Christi Amor”[85]. Isso brota da Regra, como da vida de nosso Pai São Bento e também da vida do Pe. Muard.”

“Nos seus atos e em seu pensamento, nosso Pe. Muard se considerou como o último de todos. Ele quis que estivéssemos nessa posição e, como nosso Santo Patriarca, ele se consumiu de oração, de amor divino, de penitência, de pobreza. Ele viveu e morreu com Jesus crucificado. Tenhamos atenção! Aí está o que Jesus nos pediu em 1883: algo de muito humilde, de muito interior, de muito imolado, de muito pobre também, sem afetação é verdade, mas sem mistura. Reservemos o melhor de nossas forças para Jesus crucificado. Eu lhes asseguro que a maioria raramente pensa nisso. Quanto a nós, é nossa vocação especial.”

1. – ESPÍRITO DE HUMILDADE

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O Pe. Muard escreveu em suas Constituições: “Nós estabelecemos a divina e santíssima humildade como fundamento de nossa sociedade, como princípio constitutivo de nosso espírito e queremos que ela seja o caráter distintivo de nossa Congregação, cujo fim principal é combater o orgulho, vício dominante deste século, pela prática dessa virtude.”[86] São Bento estabelece com efeito a humildade, à qual consagra um longo capítulo, como fundamento de sua Regra[87] . “Este capítulo é o sumário sucinto e o desenvolvimento total da Regra. O mosteiro é uma verdadeira academia de humildade. Falar, agir e se mostrar com ares de grandeza: eis a peste e o antípoda do espírito beneditino.” Queria também o Pe. Muard que seus monges se considerassem “como os últimos dos religiosos, tendo sempre pouca estima por eles mesmos, como miseráveis pecadores dignos de todos os opróbrios, e sua sociedade como a última de todas as sociedades religiosas. Da mesma maneira que é para os lugares mais baixos que vão as águas dos esgotos, dizia ele, nós devemos estar tão baixo que todos os desprezos do mundo venham cair sobre nós.”[88] Essas palavras são um eco desta de São Bento: “CRER NO ÍNTIMO DO CORAÇÃO QUE SE É INFERIOR A TODOS E O MAIS VIL”.[89]

“A humildade é o esplendor da verdade. Se vós sois mediocremente humildes, sereis mediocremente verdadeiros.”

Mas a humildade verdadeira é rara… “Cada vez mais constato como é rara essa virtude entre as almas consagradas a Deus. Como, ao contrário, o amor próprio se desenvolve livremente, estraga as melhores virtudes, interrompe todo progresso sério e origina até, aqui e ali, verdadeiros pequenos escândalos.” É porque não é fácil tornar-se humilde! “Em razão de nossa queda original, a humildade é a mais difícil de todas as virtudes. Cada um de nós só pensa em si. “Eu! eu!” é nossa suprema atividade; “eu!” nós estamos presos a isso por todos os lados. No entanto, Deus não pode fazer nada de grande a não ser sobre o fundamento da humildade.”

É preciso que sejamos humildes… “Sem a humildade forte e profundamente estabelecida não faremos nada de bom, tornaremos estéril a fundação.” Por quê? – “O que é preciso para conhecer os caminhos de Deus? É preciso a humildade, a verdadeira humildade. A humildade nos desapega cada vez mais, nos desprende da terra. Ela equilibra e pacifica a alma. Ela dá um maravilhoso instinto da verdade, dissipa as ilusões e, enfim, dita palavras justas e medidas. A humildade dá constância, continuidade. O orgulho gera a instabilidade, a agitação, a incoerência. Um monge verdadeiramente humilde está contente com tudo o que é vil e extremo. A humildade e a confiança andam juntas. A humildade dilata nossa alma. O orgulho a contrai. Diz-se inchar de orgulho? Dê uma espetada no balão e ele se torna um trapo! Quando cessamos de pensar em nós mesmos, é então que cuidamos melhor de nossos interesses. Quando não pensamos em nós mesmos, Deus pensa em nós. Quanto mais nos afastamos de nós, mais Ele cuida de nossos interesses. Deus não pode resistir ao encanto da humildade. A humildade atrai suas graças.”

Como adquirir a humildade? – “Deus nunca deu gratuitamente a humildade. Se a desejamos seriamente, procuremos as humilhações, esperemos as humilhações – Por acaso existe humildade sem humilhação? – e quando vierem, façamos-lhes bom acolhimento. Do contrário, Deus nos poupará.” É suficiente aceitar bem as humilhações? – “É preciso amá-las. Se somos humildes amemos, amemos as humilhações! Indispensáveis quando as merecemos, elas são também excelentes e desejáveis quando não as merecemos.” – Como se chega a amá-las? “O orgulho só é possível no esquecimento ou desprezo de Deus. Deus conhecido, meditado, procurado é o orgulho enfraquecido, exterminado.”

“Apliquemo-nos à humildade verdadeira e sólida. Sejamos humildes de espírito, de coração, de vontade e de conduta. É principalmente por um grande cuidado e culto da humildade que devemos nos distinguir na Ordem.”

2. – ESPÍRITO INTERIOR

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“Deus, no programa de 29 de janeiro de 1883, nos pede uma casa cuja característica fundamental, o ponto de partida e a forma primeira sejam o espírito interior com tudo o que se lhe relaciona.”

“O instinto secreto da natureza é a vida selvagem, é fugir de Deus, viver fora de Deus, na independência que permite ir para onde se quer. A vida interior, ao contrário, é a vida do espírito, segundo o espírito. Ela se relaciona com a obediência e resulta necessariamente dela. A obediência é até mesmo a pedra de toque com a ajuda da qual se reconhece o valor da vida interior numa alma: ela vive somente nas profundezas da renúncia; onde a renúncia é completa, aí se encontra a vida interior. A vida interior vale o que vale nossa renúncia. Ela é Jesus se reproduzindo em nós. Nossa vida interior é Jesus, é o Verbo que se comunica. A vida interior é o amor, o amor santificante, vivificante, o amor que transforma. Somente chegam ao martírio as almas que viveram e vivem de vida interior. O sangue que corre, então, é a abundância da vitalidade divina escondida nelas.”

“Instituindo as ordens religiosas após a era dos mártires, Deus se propôs um objetivo: conservar em sua Igreja até o fim dos séculos o tesouro da vida interior. É verdade que Deus pode conservar esse tesouro mesmo no tumulto do século, mas em via ordinária, Ele precisa para isso separar as almas da multidão, atraí-las à solidão e ao silêncio para lhes falar ao coração.”

“Ela não deve ser tomada como meio secundário na economia monástica, nem na economia cristã. Ela deve dominar todo resto: ela é soberana. Todo o resto deve ser colocado, hierarquizado sob sua dependência.”

E se o mosteiro não é fiel à vida interior… “ele não é mais útil, ele desaparece. A causa que determinou a queda, o desaparecimento de certas ordens e de certos mosteiros: o exterior tomou a frente; relaxou-se insensivelmente o interior. Como se procedeu à reforma? Retornou-se ao ponto de partida, à vida interior. Uma comunidade que quer se manter, se firmar, garantir seu futuro, que meio deve tomar? A vida interior.”

Espírito de silêncio

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“Tudo o que há de mais nobre no homem é interior: o pensamento, o julgamento, a sabedoria, a vontade… A língua, os lábios, são os únicos instrumentos capazes de dar uma vida aparente, externa, a esses segredos que só Deus pode penetrar e que nossa consciência revela, os segredos do pensamento, do sentimento… Mas a tendência de todas as almas dominadas pela influência da vida interior é se calar. “Sedebit solitarius et tacebit”[90].

Elas desconfiam da língua… “É o instrumento mais ativo do bem, mas também do mal, do progresso no bem e do progresso no mal. A língua, esse pequeno instrumento pérfido, numa pequena volta rápida, nos faz cometer numerosas faltas. Procure e verá que ela é sempre o grande instrumento do mal: ela excita a todos os crimes. Todos os caminhos das paixões que carregamos em nós chegam na língua. Se fosse possível isolá-la… mas ela se relaciona com todo o resto! Todas as paixões têm licença de tomá-la para seu serviço.” São Bento põe na boca de seu discípulo, “A FIM DE QUE ELE NÃO PEQUE PELA LÍNGUA”, uma guarda, uma sentinela, “CUSTODIAM”[91], e o torna mudo como o salmista[92] . “Desde a primeira até a última linha da Regra, São Bento é desconfiado contra os abusos, os estardalhaços da língua. A Regra tem por objetivo nos estabelecer no silêncio. No seu capítulo seis, ele dá uma dupla volta de chave na língua. Ele tem toda razão.”

Ele impõe um silêncio perpétuo? – “Alguns pretendem que nosso Pai São Bento prescreveu a prática do silêncio absoluto, outros acham que o Santo Legislador concedeu atenuações. A verdade não está nem de um lado, nem de outro; ele ficou num meio termo. Ele não prescreve o silêncio como é entendido nos trapistas, não impõe o mutismo. Ele deseja somente fazer compreender que temos a obrigação de saber o que nós queremos dizer e a que momento devemos dizê-lo, a obrigação de prever, de escolher os termos com que nos serviremos ao invés de deixar o acaso e as circunstâncias no-los ditar.”

“Nosso Pe. Muard estudou longamente a questão. E, depois de orações, de penitências, de jejuns, com a autoridade da qual dispunha, ele compreendeu que era preciso, fora do Ofício Divino, da confissão, das aulas, o silêncio perpétuo. Ele o estabeleceu e era assim que se o observava em nossa primeira Comunidade de La Pierre-qui-Vire. Se não o tivesse experimentado, eu acreditaria como todo mundo que é impossível. Mas o experimentei e direi sempre que é um regime admirável. Não há nada de melancólico, nada que leve à tristeza. Ele mantém o contato da alma com Deus.”

“Os membros da comunidade”, por meio “de conferências”, “de passeios” semanais e da reunião da noite antes de Completas que é “verdadeiramente de família”, “se conhecem, compreendem e se entretêm numa doce caridade, ao mesmo tempo que conservam as vantagens tão preciosas do silêncio beneditino.”

Como os monges se comunicam entre si? – “Eles pedem por meio de sinais as coisas necessárias. Os que necessitam de conversar pedem permissão e só o fazem em voz baixa, cuidando de não sair do assunto que têm a tratar. Os chefes de oficio terão o maior cuidado de não sair de suas atribuições, falando somente nos lugares de seu trabalho, a respeito das coisas do trabalho e a seus subalternos. Se se pega o costume de falar muito nas celas e em toda parte, é impossível que a comunidade não acabe por se dissolver. Não se remedia a perda de uma observância dessa natureza.”

O silêncio é penoso? – “O silêncio não é uma prisão, nem um aborrecimento, quando é guardado para Deus e sob seu olhar. Ele acalma, harmoniza, eleva, faz rezar, ele atrai Deus para a alma e a alma para Deus, que é seu centro.”

Entretanto, poucos são fiéis a isso… “É coisa rara, muito rara, achar um homem dizendo somente o que é preciso, o necessário e o útil.” Pois é difícil se calar… “Não se consegue o silêncio sem um esforço, sem observar-se a si mesmo com a maior atenção. Para evitar as faltas da língua, são necessários uma grande mortificação adquirida, uma verdadeira humildade, o sentimento íntimo e constante da presença de Deus e a dependência das faculdades da alma e das paixões em relação a Deus. Enfim, o domínio completo da língua só se encontra na humildade”.Como fazer para guardar o silêncio? – “ESPERE QUE VOS INTERROGUEM”[93], nos diz Nosso Pai São Bento. Se permanecermos em silêncio, teremos ao menos a aparência de sábios.”

“Obrigado ao silêncio pela sua Regra, todo beneditino deve ser tão sóbrio em cartas como em palavras. É realmente lamentável gastar tempo e trabalho escrevendo, para agradar, cartas que são lidas num piscar de olhos e que não produzem, ordinariamente, outro efeito que o de distrair por um momento o leitor, e que são em seguida atiradas ao fogo ou encerradas para sempre numa gaveta qualquer. É preciso que nos façamos antigos nesse ponto e deixar que nossos amigos reclamem dos nossos atrasos e do nosso laconismo.”

“Duas palavras que nunca podem ser colocadas uma ao lado da outra: conversador e beneditino.”

3. – ESPÍRITO DE IMOLAÇÃO

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O Pe. Muard queria que seus filhos se considerassem como “homens votados por estado à prática da penitência, encarregados de satisfazer a justiça de Deus por suas próprias iniqüidades e pelas de seus irmãos, por conseguinte, cuja vida seja uma contínua imolação de sua vontade, de seu julgamento, de seu corpo e de todas as satisfações dos sentidos pelo duplo gládio da mortificação interior e exterior”[94].

“É preciso que na Obra nós sejamos todos hóstias vivas inteiramente consagradas. O mosteiro é uma casa de penitência. As observâncias, os artigos fundamentais da Regra têm por base a penitência. A Regra é uma regra de mortificação e penitência: ela doma a nossa natureza com uma destreza, com uma ordem, uma suave e inexorável perseverança. Em vão se procurará num dia beneditino o que a nossa natureza ferida pelo pecado original pode encontrar de satisfação para as suas vis inclinações.”

“Mas nenhum detalhe da penitência regular ultrapassa a medida das forças ordinárias. Os atos de penitência devem ser regrados pela discrição. Nosso Pai São Bento foi mais admirável nesse ponto do que São Bernardo. Este só se tornou imitável, porque se aproximou pouco a pouco da moderação do grande Patriarca. Quando os santos não fazem o que é preciso, o espírito de Deus a isso os conduz pouco a pouco com o tempo.” – Sob pretexto de discrição não se introduziria o relaxamento? – “Devemos temer menos a alteração e a perda de nossa saúde do que o relaxamento da austeridade e da penitência. Devemos nos exercitar mais a nos mortificar do que a cuidar de nós mesmos. Poupar-se é prejudicar-se. Sem penitência, nada de vida interior, nem de perfeição, nem de santidade. Nosso Senhor não mudou o molde da santidade; esse molde é a Cruz sobre a qual se imolou por nós.” O estado monástico é um estado de penitência “pelo fato de seguir mais de perto Nosso Senhor Jesus Cristo carregando sua Cruz.”

Como falar, depois disso, de discrição? – “Há o espírito de penitência e os atos de penitência.” O Pe. Muard diz que “o espírito de penitência é constituído pela mortificação interior que consiste em combater nossas inclinações, nosso amor próprio, nosso humor, todos nossos defeitos e, acima de tudo, a nossa paixão dominante. Sem esse espírito não se saberia ser verdadeiramente religioso. A mortificação corporal é, sem dúvida, muito útil para nos manter no fervor; ela é mesmo obrigatória para todos. Mas ela é pouca coisa, ou melhor, não é nada, se não for vivificada pela mortificação interior que é sua alma. É o sacrifício que agrada ao Senhor, o holocausto de suave odor que Ele ama receber da criatura.”[95] “Jesus nos pede, sobretudo, uma imolação íntima nas pequenas virtudes quotidianas, o martírio de uma vida sem mancha e inteiramente devotada. Numa tal vida, o sofrimento se acha seguramente na medida em que determine a sábia vontade de Deus, e pode acontecer que o martírio da vida quotidiana seja mais difícil e mais doloroso do que o martírio da morte.”

A Regra tende a nos dar esse espírito de penitência… “A vida monástica é estabelecida de maneira a provocar a espontaneidade da penitência. Sem a espontaneidade, nós oferecemos a Deus uma penitência sem brilho. Ele não pode ficar satisfeito. A penitência espontânea, cheia de ânimo, de ardor, é essa que se oferece convenientemente a Deus.”

4. – ESPÍRITO DE POBREZA

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“Beneditino” e “pobre”, são termos que se atraem mutuamente e nunca deveriam ficar separados.”

“Não se pode conceber a pobreza prática com mais rigor do que o faz São Bento[96]. Com sua costumeira discrição, ele não impõe nenhuma prática singular nos detalhes aparentes dessa virtude, e várias passagens mostram que os monges devem evitar ostentá-la. Mas ele quer todos os seus santos rigores, e o gênio da Regra a imprime em todos os detalhes materiais relacionados à comunidade ou às pessoas. Em algumas palavras inspiradas, ele desapega o monge de todo bem visível, seja ele qual for, e o põe num estado de dependência que lembra de maneira tocante o estado em ficou o divino crucificado. Quando Deus suscitou na Igreja a ordem franciscana, esta só teria que imitar São Bento, se seus discípulos tivessem querido observar o capítulo trinta e três da Regra.”

Por que essa pobreza? – “Os bens deste mundo quando possuídos, possuem também. A virtude de pobreza é o sacrifício de todos os bens exteriores feito com o desapego do coração e da vontade. O que há nesta terra que seja digno da alma humana? Nada que aparece, nada que é criado, nada que pertence à ordem sensível é digno da alma, mas unicamente e acima de tudo Deus, Deus conhecido, amado, possuído pela esperança até que seja possuído na beatitude. A pobreza cristã é o desprendimento de tudo o que não é Deus.” Se nos apegamos a uma criatura, fazemos injúria a Deus… “Não há nada pequeno em matéria de pobreza, como não há nada pequeno em matéria de castidade.”

“O Pe. Muard queria que a pobreza em espírito e interior fosse uma das características marcantes de sua família religiosa. Sejamos pobres:

1. “Pobres em nossa maneira de apreciar, de julgar, de administrar a si mesmo. O que pede a pobreza? O sacrifício do supérfluo, a restrição do útil; ela tende a se limitar ao necessário e indispensável. Aí está o espírito de pobreza. Impossível carregar o peso da pobreza procurando as comodidades da vida. Quando nos encontramos diante de uma privação, que nosso primeiro movimento seja: “Em boa hora! Deo gratias!”[97] É Deus que no-la dá para sua glória. Se Ele quer que careçamos de tudo, ainda melhor! Os bons monges devem amar a pobreza especialmente quando ela vem acompanhada de privações e de desconforto. Onde está o mérito de um pobre a quem não falta nada?”

2. “Pobres em nossas relações com as pessoas da comunidade encarregadas de prover as nossas necessidades. O domínio do pobre, segundo São Bento, se reduz somente à esperança em Deus e em seu Abade. Um pobre só tem direito à sua pobreza. “TODAS AS COISAS NECESSÁRIAS DEVEM ESPERAR DO PAI DO MOSTEIRO, lê-se na Regra. NÃO SEJA LÍCITO A NINGUÉM POSSUIR O QUE O ABADE NÃO TIVER DADO OU PERMITIDO”[98]. “Esperar, aguardar da autoridade o que é indispensável: alimentação, vestuário, alojamento… mas como convém a pobres. Esperar o necessário daquele que é o pai do mosteiro não exclui absolutamente o pedido; ao contrário, pois o pedido é um ato de indigência, de dependência e de humildade.” – Pode-se pedir tudo o que se deseja? – “Sob pretexto de permissões obtidas pode-se ter a seu uso muitas coisas; ao útil segue o agradável, o supérfluo leva ao luxo. Isso não é espírito de pobreza!…”

“Mostrar-se delicado, difícil, é isso a pobreza? São exigentes, logo não são pobres. O verdadeiro pobre está sempre contente com o que lhe é dado. Dão-lhe tal coisa: muito bem! Perfeito! Não é novo? Que importa! Não está bom? Coma sempre com a bênção de Deus! Aí está o espírito de pobreza.”

“É preciso lembrar que somos pobres e querer ser tratados como pobres.”

“É graças a uma multidão de pequenas circunstâncias que se reconhecem os verdadeiros pobres. É fácil discerni-los!”

O Pe. Muard dizia que a santa pobreza seria “o verdadeiro tesouro dos beneditinos do Sagrado Coração”, que ela devia “brilhar por toda parte”[99].

“Todo o edifício religioso repousa sobre a pobreza. Os Padres da Igreja, os Doutores diziam que a pobreza alimenta a vida religiosa, porque a vida interior se apóia necessariamente sobre a penitência, e a penitência não poderia subsistir sem a pobreza.”

5. – O SAGRADO CORAÇÃO

ÍNDICE

O Pe. Muard escreveu em suas Constituições: “As virtudes que devem constituir o espírito de nossa Sociedade são as virtudes por excelência do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de sua Mãe.” É o motivo pelo qual ele coloca sua sociedade “sob o patronato do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria”[100]. “É preciso que nos lembremos como de algo essencial que fomos consagrados pelo nosso fundador ao Sagrado Coração de Jesus, sob a proteção de Santa Margarida Maria. Somos filhos do Sagrado Coração de uma maneira muito especial, por sua vontade, pela vontade de nosso santo fundador. Nós lhe pertencemos para sempre e temos, assim, direito às suas riquezas. Devemos usufruir delas.”

Para o senhor, o que é o Sagrado Coração? – “O Sagrado Coração? Mas é Nosso Senhor Jesus Cristo! Digo Sagrado Coração, porque desde minha entrada em religião tomo sempre como referência o Pe. Muard e Santa Margarida Maria… Mas é a devoção a Nosso Senhor Jesus Cristo! La Pierre-qui-Vire foi fundada sob a proteção obrigatória do Sagrado Coração de Jesus. É realmente Nosso Senhor Jesus Cristo, é seu Coração. E para nós, filhos do Pe. Muard, não há em que hesitar.”

As duas comunidades de En-Calcat e de Santa Escolástica são especialmente consagradas ao Sagrado Coração… “Foi num movimento de seu Coração, por um apelo bem distinto, que Ele fez surgir as duas comunidades. Sim, nós somos do Sagrado Coração. Foi Ele quem dirigiu as duas fundações. Ele quem, até hoje, nos protegeu sem cessar, como Ele sabe fazer. Sem a sua assistência, não somente não teríamos podido começar, mas seríamos incapazes de continuar. E, a esta altura, o que nos teríamos tornado?”

“Somos mesmo os filhos do Coração de Nosso Senhor, sob a Regra de São Bento. Quando se é chamado, como o fomos, à honra de professar a Regra de São Bento numa casa que o próprio Sagrado Coração edificou, é preciso não negligenciar nada para manter-se nas fileiras desta falange dos verdadeiros amigos do Coração de Jesus. Oh! que o Coração de Jesus dê a cada um de nós o dom mais precioso que Ele pode dar, o dom do amor verdadeiro. Compreender o que é o amor, nos dispor a amar. Que Ele nos conceda concentrar neste amor por Ele toda nossa vida espiritual. A vida espiritual se subdivide, se distingue em virtudes, ela tem inúmeros graus, mas é tirada do amor que Nosso Senhor nos tem e do amor que Ele espera de nós. Que bela vocação, meus caros filhos, e que meio Deus nos dá de corresponder a ela pela Regra de São Bento e por toda ordenação de nosso estado monástico! Não é de se admirar que as primeiras manifestações do Sagrado Coração de Jesus, as menos conhecidas talvez, mas as mais antigas e as mais autênticas se tenham operado à sombra do claustro beneditino. Não é de se admirar que Nosso Senhor tenha escolhido um dos seus servidores mais obscuros e mais desprezados ainda, para colocar sob a Regra e na Ordem de São Bento toda uma falange de beneditinos e de beneditinas. O Coração de Jesus quer manifestar seu amor até a consumação dos séculos. Consagremo-nos a Ele, cada um em particular e de todo o coração. Mas este não deve ser um ato passageiro de nossa piedade; é preciso que em nossa consagração haja uma espécie de contrato entre o Coração de Jesus e os nossos corações.”

Que recebemos neste contato permanente com o Coração de Jesus? – “O amor… O amor quer o amor. O amor procura o amor!” Então tornamo-nos um perfeito beneditino, um monge vivendo sua Regra. “O coração se lança vigorosamente para seu amor principal, as aspirações e as esperanças vêm em seguida… Deus não põe limites às graças que Ele quer nos dar. Por que colocamos limites às nossas esperanças, aos nossos desejos? Somos pequenos, pequenos por essência, mas grandes por pertencer à Igreja, pelo batismo, pela confirmação, pelos sacramentos, pelas graças recebidas, e é preciso fazer o que diz o profeta: “Dilata os tuum et implebo illud”[101]. “Dilatai vosso coração!” Que ele não seja trêmulo, pusilânime, mas que exulte de esperança sobrenatural por causa dos méritos infinitos de Nosso Senhor. Mais uma vez, Nosso Senhor nos impõe limites? Absolutamente. Ele nos impele a receber.”

“Nossa vocação é a santidade. A santidade adquirida, resposta necessária ao Amor divino, é isso o que nos foi pedido e que devemos dar sem limites. É a lição quotidiana de Jesus às nossas almas. Ele nos espera no Cenáculo da vida interior que é “Ele em nós e nós n’Ele”, noite e dia, em companhia e na solidão, no meio das ocupações ou no vagar, através das palavras ou no bem-aventurado silêncio. Se Ele permanece conosco e nós com Ele, isto basta. O Amor está presente, Ele reina e comunica sua vida, e esta vida é de Deus e se eleva sem cessar para Deus. Ela permanece e se comunica. A vida interior é Jesus presente, conhecido, amado e nunca suficientemente servido, na calma, na paz, numa morte aparente e numa vida muito intensa.”

“Mas, se a vida de Jesus quer realmente se esconder nas aparências da nossa, ela não quer ser limitada, nem desfigurada, nem alterada, nem constrangida, nem interrompida, nem condicionada. Essa vida divina e humana quer pouco a pouco absorver, elevar e divinizar a nossa.” – Como fazer para não atrapalhá-la? – “Peçamo-la e deixemos Jesus realmente livre para nos conduzir. Ele sabe que por nossas próprias forças não poderíamos nos dar a santidade, e Ele se encarrega disso.”

Ele quer que sejamos santos… “Nosso Senhor necessita de santos e de santas para renovar o mundo e divinizar a terra.” – É por isso que Ele chama certas almas à vida monástica… “É preciso santos e santas entre nós, ou então a Obra não durará. Há uma proporção entre a santidade e a duração dos mosteiros. Vi muitas fundações. Quando não há o puro espírito de Deus e a santidade, não há êxito. O que conduziu tantos mosteiros ao fundo do abismo foi a predominância do natural em relação ao sobrenatural, da sabedoria humana sobre a divina.”

“Nossos mosteiros devem ser casas de santidade. Jesus quer a santidade para as duas famílias. Ele só as abençoará na proporção dos esforços nesse sentido. Nossa divisa é:

“sint sancti aut non sint.”[102]

 

[1] Alusão à expressão que S. Francisco de Assis usava ao se referir ao corpo (N. do T.).

[2] “Guia e mestre divinamente instruido”.

[3] Gên. XII, 1.

[4] Gên. XII, 1.

[5] Pe. Muard. Constituições. Introdução.

[6] Pe. Muard. Constituições, Introdução.

[7] Regra. Prólogo

[8] Regra. Capítulo I. “Dos gêneros de monges”

[9] Regra. Capítulo 58. “Da maneira de proceder à recepção dos irmãos” (“Apresentando-se alguém para a conversão dos costumes.”)

[10] Regra. Prólogo

[11] Regra. Capítulo 7. “Da humildade”

[12] Regra. Capítulo 4. “Quais são os instrumentos das boas obras”

[13] Regra. Prólogo

[14] Regra. Prólogo

[15] Regra. Capítulo II. “Como deve ser o Abade”

[16] Seqüência da Missa de Corpus Christi

[17] “Da obediência”

[18] Luc. X, 16

[19] Jo. XXI, 16: “Apascenta meus cordeiros, apascenta minhas ovelhas”.

[20] Pe. Muard. Constituições. Capítulo 2.

[21] Pe. Muard. Constituições. Capítulo II

[22] Regra. Capítulo VII. “Da humildade”

[23] Subdivisão de província, entre religiosos (N. do T.).

[24] Regra.Capítulo LVIII. “Da maneira de proceder à recepção dos irmãos.”

[25] Ibidem

[26] Regra. Capítulo LVIII.

[27] Regra. Capítulo LVIII.Ibidem

[28] III Livro dos Reis 19, 11: “Deus não se encontra na perturbação”.

[29] Imitação de Cristo. Livro I Cap.XVII.

[30] Salmo XVIII, 6: “Dá saltos como gigante a percorrer o seu caminho”.

[31] Regra, Capítulo VII “Da Humildade”.

[32] Isaías, LXII, 4: “Serás chamada: Minha vontade está nela”.

[33] Regra, Capítulo V. “Da obediência”

[34] Provérbios, XXIII, 26

[35] S. Mateus, XIX, 21: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo e dá o seu valor aos pobres”.

[36] Regra. Capítulo XXXIII. “Se os monges devem possuir alguma coisa de próprio”: “absolutamente nada”.

[37] Ver adiante, capítulo IV, 4. “O espírito de pobreza”, p.

[38] Regra. Capítulo IV. “Quais são os instrumentos das boas obras”. 63º instrumento: “amar a castidade”.

[39] I S. Pedro, I, 22.

[40] Idem à nota 38

[41] Regra. Capítulo XLIII. “Dos que chegam tarde ao Ofício Divino ou à mesa”.

[42] Ibidem

[43] Père Muard. Constituições. Introdução, p. 6. – Alusão ao episódio em que Moisés orava sobre a montanha enquanto os hebreus lutavam na planície. Quando Moisés abaixava os braços, os hebreus começavam a perder a batalha e quando Moisés os mantinha elevados, os hebreus levavam a melhor sobre os seus inimigos (N. do T.).

[44] Regra. Capítulo X. “Como será celebrado no verão o louvor divino”.

[45] Estação – reunião dos monges em formação de procissão antes de entrar no coro para os ofícios (N. do T.).

[46] Regra. Capítulo XIX. “Da maneira de salmodiar.”

[47] Jeremias, XXXIII, 11

[48] Isaías, VI, 3.

[49] Regra. Capítulo 19. “Da maneira de salmodiar”

[50] Santo Agostinho. Enarrationes. P. L. XXXVII. 1817.

[51] Santo Agostinho. En. P. L. XXXVI. 693. Trata-se aqui da Igreja, Corpo Místico de Cristo (N. do T.).

[52] Regra. Capítulo 19. “Da maneira de salmodiar”

[53] Ibidem. Salmo XLVI, 8.

[54] Ibidem: “Tal seja a nossa presença na salmodia, que nossa mente concorde com nossa voz”.

[55] Lucas, XII, 49: “Eu vim trazer fogo à terra; e o que quero eu, senão que ele se acenda?”.

[56] Salmo LXVII, 33: “Cantai a Deus”.

[57] Salmo XCVII, 5: “Cantai salmos com cítara”.

[58] Regra. Capítulo XIII. “Como serão realizadas as Matinas…”: “Como canta a Igreja Romana”.

[59] Regra. Capítulo VII. “Da humildade”.

[60] Regra. Capítulo IV. “Quais são os instrumentos das boas obras”.

[61] Pe. Muard. Constituições. Capítulo XII, p. 74.

[62] Subjetivo aqui não se opõe a objetivo ou a realista, mas significa “o que pertence ao sujeito”. É sinônimo de pessoal (N. do T.).

[63] Salmo XXXIII, 9.

[64] Os métodos dizem respeito sobretudo ao primeiro grau da oração, que é a meditação. Em seguida é necessário deixá-los pouco a pouco, na medida em que a alma chega a uma maior simplicidade. Seria um erro obrigar os contemplativos a nunca deixarem a meditação e os métodos. Isto iria de encontro à ação de Deus nas almas (N. do T.).

[65] Regra. Capítulo XX. “Da reverência na oração”.

[66] Regra Capítulo LII “Do Oratório do Mosteiro”

[67] Regra. Prólogo: “Escuta, filho”.

[68] Regra. Capítulo XLVIII. “Do trabalho manual cotidiano”.

[69] Casta virgindade da verdade.

[70] Regra. Capítulo XLVIII. “Do trabalho manual cotidiano”.

[71] Ibidem.

[72] Regra. Capítulo LXVI. “Do porteiro do mosteiro”.

[73] Regra. Capítulo XLVIII.

[74] Pe. Muard. Constituições. Capítulo VI.

[75] Pe. Muard. Constituições. Capítulo IX, p. 52

[76] Ibidem, p. 53

[77] Pe. Muard. Constituições. Introdução, p.4.

[78] Ibidem, p.5.

[79] Ibidem, p.6.

[80] Ibidem, p.5.

[81] Regra. Capítulo XXXVIII. “Do leitor semanário”.

[82] Regra. Capítulo XXXIX. “Da medida da comida”.

[83] Pe. Muard. Constituições. Capítulo VIII, p.50

[84] Regra. Capítulo XXII. “Como devem dormir os monges“.

[85] Amor de Cristo

[86] Pe. Muard. Constituições. Capítulo IV.

[87] Regra. Capítulo VII. “Da humildade”.

[88] Pe. Muard. Constituições. Capítulo IV.

[89] Regra. Capítulo VII. “Da humildade”.

[90] Lamentações de Jeremias III, 28: “Sentar-se-á solitário e ficará em silêncio”.

[91] Regra. Capítulo VI. “Do silêncio”.

[92] Salmo XXXVIII,2.

[93].Capítulo VII. “Da humildade”.

[94] Pe. Muard. Constituições. Capítulo VII.

[95] Pe. Muard. Constituições. Capítulo VII.

[96] Regra. Capítulo XXXIII. “Se os monges devem possuir alguma coisa de próprio”.

[97] Demos graças a Deus.

[98] Regra. Capítulo XXXIII. “Se os monges devem possuir alguma coisa de próprio”.

[99] Pe. Muard. Constituições. Capítulo VI.

[100] Pe. Muard. Constituições. Introdução.

[101] Salmo LXXX ,11.

[102] “Ou sejam santos ou não sejam monges”.

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