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Cristianismo e Macumba



Por Gustavo Corção publicado n’O Globo em 09-06-1973


A REVISTA "Manchete", em dois números sucessivos, parece empenhada em desmoralizar o monaquismo cristão, que sempre foi a fina flor do cristianismo, e seu mais sólido reduto em todos os grandes momentos da história. No primeiro número (1102), com esplêndida apresentação gráfica, o religioso escolhido para tal mister foi D. Timóteo Amoroso Anastácio, monge beneditino, abade da Arquidiocese de Salvador, e abade assistente do Abade Presidente da Congregação Beneditina do Brasil. Ora, foi esse ilustre personagem que a revista "Manchete" escolheu para dialogar com D. Olga do Atakelu, "uma das figuras mais importantes do Candomblé". E o autor da sensacional reportagem nos dá esta informação suplementar: "Eles se conheceram há oito anos no terreiro de Alaketu... durante uma festa em louvor dos orixás", por onde se vê que é pós-conciliar a devoção de D. Timóteo pelo candomblé.


A ENTREVISTA tem forma de conversação, onde D. Olga diz o que pensa e o que sabe dentro de seu mundo de crenças, ideias e valores, e onde D. Timóteo dá um espetáculo de bobice, agachando-se para ser ecuménico, compreensível, moderno, massificado e achatado.


QUEM conheceu D. Timóteo moço, sério, piedoso, vê com tristeza, com pena, o pobre títere estampado pela revista "Manchete", ao lado da Mãe-de-Santo, a exalar bobice. D. Timóteo nunca foi muito inteligente, mas quando vivia cercado e amparado pela Igreja, tinha a sabedoria que vem da seriedade e do senso comum, e que a verdadeira Fé vivifica, mas agora que se deixou devorar, ou que passou a ser membro do Corpo Místico do Monstrengo, já não consegue esconder, na fisionomia e nas palavras, aquela bobice que dá pena.


NÃO podemos, todavia, limitar nossas apreciações e sentimentos entre as linhas demarcadoras do que foi e do que hoje é D. Timóteo Amoroso Anastácio.


QUEM sabe alguma coisa do que significa o confronto da Igreja de Cristo com os cultos idolátricos, quem ainda se lembra que foi para bem demarcar esse infinito contraste que os mártires deram seu sangue, não pode ver a estampa da "Manchete" sem vertigem de dor e de cólera. Porque, se em todos os cultos e religiões há complacências de Deus e matéria para todas as obscenas benevolências humanas, então, então, então..., não apenas o sangue dos mártires, mas também e principalmente o preciosíssimo Sangue que até o fim do mundo será sacramentalmente derramado no Santo Sacrifício do Altar e que uma vez — quando Jesus experimentou em sua natureza humana potencializada ao infinito pela união com a natureza divina — foi derramado cruentamente para nossa salvação, foi em vão sofrido, em vão derramado. Sim, se todos os cultos e religiões se equivalem e comportam amáveis confrontos, então não houve salvação, é vã a nossa Fé, e nós somos as mais desgraçadas criaturas porque sonhamos com um castelo de ouro, fogo e sangue onde face a face veríamos o Pai e agora acordamos numa paisagem lunar de infinita desolação.


SIM, D. Timóteo, os mártires enfrentaram as mais horríveis mortes para testemunhar a transcendência, a distância sem medida que separa o cristianismo das falsas religiões e das superstições idolátricas; e por isso ouso dizer, sem nenhum prazer, que sua entrevista estampada em "Manchete" é o reverso do cristianismo, é o antimartírio. E para agravar essa impiedade não posso deixar sem nenhum reparo a hipocrisia suplementar de que se reveste, ou de que se veste. Refiro-me ao hábito de resplandescente brancura com que D. Timóteo foi ao encontro da mãe-de-santo quando é público e notório que muitos monges beneditinos de Salvador, senhores do Oficio Divino, procuram suas estalas no coro vestidos de blusão e calça. Guardo ainda na memória o preceito deixado pelo próprio São Bento: nihil operi Dei praeponatur. Nada tenha primazia sobre o Ofício Divino. Ora, a entrevista publicada em "Manchete" parece indicar, ou me engano?, que no espírito de D. Timóteo a "Manchete" e a Mãe-de-Santo prevaleceram sobre o Ofício Divino. Digo prudentemente "parece" e prudentemente pergunto "ou me engano" porque é realmente difícil saber o que pensam, se pensam, os ex-religiosos hoje devorados pelo Monstrengo. E forçoso é convir que o sorriso de D. Timóteo que tenho diante dos olhos na página 93 de "Manchete" parece simplesmente indicar que seu dono não pensa em nada.


É ecumênico, bóia na onda, deixa-se fotografar e sorri.


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NO NÚMERO seguinte da mesma revista, o religioso escolhido para desmoralizar o monaquismo foi Frei Raimundo Cintra, dominicano. No preâmbulo da reportagem a revista explica que esses fenômenos decorrem do Concílio Vaticano II que "colocou o problema religioso em termos de um universalismo que implica uma profunda tolerância face aos credos mais diferentes"... E apresenta o frade e o umbandista irmanados nessa "tolerância".


* * *


NÃO vou aqui repetir o que já disse de D. Timóteo e que se aplica a Frei Raimundo com ligeiros retoques. D. Timóteo pertencia à Ordem religiosa fundada há mais de 14 séculos por São Bento, que é, com toda justiça, apontado como o PAI, não apenas da forte raça dos cenobitas, mas também, na abundância de seus dons, de toda a Civilização cristã ocidental. Frei Raimundo Cintra pertencia à Ordem fundada por São Domingos de Gusmão para a pregação e combate às heresias. Essa Ordem deu ao mundo alguns de seus mais gloriosos santos: Santo Tomás de Aquino, doutor comum da Igreja, Santa Catarina de Sena, doutora da Igreja e padroeira da Itália, Santa Rosa de Lima, padroeira da América Latina. Frei Raimundo Cintra, agora membro do Corpo Místico do Monstrengo, nos informa que já conhecia o Dr. Cavalcanti, o umbandista, desde 1967, "quando eu o convidei, em nome do diretor do Instituto Nacional Pastoral, a realizar palestras sobre a matéria de sua especialidade".


NÃO tendo eu conseguido, no confronto das duas entrevistas, decidir qual é a menos tola, deixo a leitores mais pacientes esse trabalho. O que é inegável é que ambos se inserem numa nova tolerância que já não é católica porque, a rigor, não é nada.


É ESCUSADO acrescentar que as autoridades eclesiásticas não censuram Dom Timóteo nem Frei Raimundo. Só censuram quem os censurar.

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