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Ainda o novo "catecismo"

Atualizado: 31 de mar.


Por Gustavo Corção,

publicado n’O Globo em 4 de fevereiro de 1972


O NOVO produto catequético elaborado por um padre holandês à sombra da CNBB, a que nos referimos no artigo anterior e que apresentamos como obra perniciosa, na verdade, como diria Euclides da Cunha, é antes de tudo tola. Ou melhor, é uma mistura de bobice e pedantismo que só serve para potencializar a dita bobice. Com a obsessão quase obscena de congregar os jovens, o autor faz descobertas prodigiosas que raiam pelo sublime:


"A juventude é uma idade muito importante da vida: nela se faz a passagem da infância para a idade adulta." (Hoje será melhor, pág. 17). Essa verdade transcendental, a julgar pela ênfase que lhe dão nesta e em outras passagens do opúsculo, parece ter escapado à obtusidade de um Santo Agostinho e de um Santo Tomás, para não falar na obscura massa da cristandade medieval.


Além da ênfase posta na juventude, como "idade privilegiada", os autores põem acentos graves, agudos e circunflexos na modernidade e principalmente no fato de terem os homens realizado a façanha pueril desejada e prevista cem anos atrás por Júlio Verne. Esses padres progressistas têm uma reação específica que recomendo aos psiquiatras: ficaram muito mais tocados pela ideia de "era espacial" do que o comum dos homens, que souberam admirar a façanha sem lhe dar maior importância. O progressista é decididamente um tipo de católico ou ex-católico que se impressiona muito mais com a ida do homem à Lua do que com a vinda do Verbo de Deus à Terra.


***


Torno a dizer: essa obra aprovada e incentivada pelo presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil é antes de tudo de uma desesperadora e insanável tolice.


"Mas então", dirá talvez um desavisado leitor, "não poderá ser muito perniciosa e tão nociva."


"Engano! Grave engano, amado leitor."


Pouca coisa haverá neste mundo mais perniciosa e mais nociva do que a bobice diplomada. A perversidade, a luxúria e a crueldade fazem mais mal aos que praticam e que pregam do que aos que os cercam; a estupidez, ao contrário, espalha em torno do foco a desolação, a calamidade, a catástrofe em cadeia — como agora se vê na Igreja — dando a seus fautores a cobertura da irresponsabilidade que é uma espécie de absolvição especial para os imbecis. É terrível esse mistério da iniquidade em que os fautores parecem inocentados pela inépcia. Nós sabemos que a pura e casta estupidez tem sempre a inteligência e a consciência de seus limites; ou melhor, sabemos que não há pura e casta tolice nos fautores de tais catecismos e nos promotores de missas escandalosas. Há sempre, no âmago dessa tolice aparentemente ingênua, o veneno do amor próprio que a transforma em perversidade.


***


Insisto no mal que faz o aspecto tolo, desesperadamente tolo desses catecismos. Nossos moços de 17 a 18 anos não são uma manada de onagros. Eles se defenderão, em grande maioria, da bobagem dessa espécie de ginástica sueca (ou holandesa), da alma que pretende substituir os métodos clássicos com que se transmitiam as verdades de que dependem nossa salvação e vida eterna.


Mas esses mesmos, que se defenderão do contágio da bobice, podem perder-se. Afastar-se-ão da Igreja, da Fé, da Salvação, porque, na idade especialmente dolorosa e sensível, a religião lhes foi apresentada como coisa menos séria do que a Matemática, do que a Física, do que a Química. Basta comparar um livro de Química com esses opúsculos saídos da nova pastoral catequética para se tornar refulgente o contraste: a seriedade do livro que trata dos átomos, e a bobice do livro que pretende tratar dos valores supremos da vida. A religião é, decididamente, menos relevante e menos séria do que a Matemática, a Anatomia, a Acústica e qualquer outro domínio do conhecimento.


Aliás, por falar em conhecimento, convém notar que nesses "catecismos" os autores fazem questão de frisar que não estão ensinando, e que a nova catequética deixou de ser o anúncio e a explicação, tanto quanto possível, das verdades que interessam à nossa relação com Deus. Dizem eles, pela boca do Presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, que "partindo da realidade concreta e visando à promoção humana integral dos jovens, os temas debatidos neste livro levam também a uma opção de fé e a uma adesão a Cristo e à integração na Igreja que vai concretizar-se no engajamento, na construção de um mundo melhor, etc., etc."


Note-se que, partindo da realidade concreta, podemos chegar a vários resultados apreciáveis para a vida humana, mas jamais se chegará à única religião verdadeira, que só se alcança partindo da Palavra de Deus. Note-se ainda que o verdadeiro catequista católico não está empenhado em fazer obra educacional que também leve as almas a uma opção de Fé (católica ou macumba). A Fé só se chega nas profundezas da alma por uma aceitação dócil de um dom de Deus três vezes santo: Pai, Filho e Espírito Santo — e não por uma opção que seria iniciativa do homem.


Na melhor das hipóteses, o que esses livros elogiados pelo presidente da CNBB podem produzir é um novo protestantismo, mais ralo, mais inconsequente e mais fácil do que todas as mil novecentas e não sei quantas seitas já existentes. O cristianismo verdadeiro, o catolicismo nascido do lado do novo Adão adormecido na Dor que nos salvou, é infinitamente diferente dessa inépcia e cruel falsificação.

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

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