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A tradução da “nova missa”


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Por Gustavo Corção publicado n’O Globo em 10 de janeiro de 1970


Vale a pena insistirmos neste assunto para o qual fomos alertados pelo Pe. Luiz, Gonzaga da Silveira d'Elboux (A Cruz, 9.1.69) e pelo professor Gladstone Chaves de Melo em dois artigos com o título acima publicados em O GLOBO (2.1.70 e 3.1.70).


A certa altura de seu primeiro artigo, diz assim o professor Gladstone Chaves de Melo: "O texto do Novus Ordo veio em latim e foi entregue a uma comissão para traduzir de ponta a ponta, sem que sobrasse uma palavra da língua oficial da Igreja. E a tradução acabou sendo, em muitos passos, inovação, composição, liturgia própria. Orçam por cento e cinquenta as infidelidades, entre grandes e pequenas." A seguir o professor Gladstone assinala um aspecto contraditório da pretendida democratização da Igreja. Na verdade nunca foi o povo de Deus tratado de modo tão baculino. Citando Gilson, diz que o rebanho nunca foi tão rebanho. Sim, neste episódio da tradução apressada, feita sem zelo, sem cuidado, sem respeito, como em tantos outros da moderníssima pastoral, o leigo é tratado corno se fosse uma criança de quatro anos, ou simplesmente uma besta.


E neste caso os padres também são reduzidos a um QI da primeira infância, já que, tendo à mão o texto latino, e por mais esquecidos que estejam da grande e viva língua da Igreja, são obrigados, humilhantemente obrigados, a pronunciar com a maior seriedade do mundo frases sem sentido ou sem fidelidade ao texto da Igreja.


***


Não retomarei aqui os exemplos citados pelo professor Gladstone Chaves de Melo, que completou o trabalho do Pe. d'Elboux e que se dirigiu aos bons pastores na esperança de obter deles um remédio para a indignidade que se cometeu com o texto do tão anunciado Novus Ordo. Qualquer pessoa de mediano bom senso sempre imaginou que um novo rito e novos textos para a santa missa só seriam estudados e organizados pela Igreja em vista de uma nova perfeição, que a Igreja sempre procura.


A pessoa sensata, a pérola que estamos imaginando, o homem que Diógenes procurou jamais acreditaria que a Igreja se abalançasse a tal mudança pelo simples gosto da mudança.


Ora, tudo se passa como se tal absurdo tenha sido o principal critério.


Sim, nós outros, povo de Deus, povinho do Cristo Rei, temos a penosíssima impressão de que um vento de insânia vem das mais altas esferas e produz devastações em todo o mundo católico. E perguntamos: Que necessidade é essa de mudar sem uma razoável garantia de não fazer a emenda pior que o soneto? Por que essa pressa de mudar e de atirar mais esta lata de gasolina na fogueira? E por que a pressa de traduzir e de aplicar? Dir-se-á que o defeito se localiza aqui e ali e não nas altas esferas da Igreja. Mas meu Deus, se eu pequenino, a custa de dar atenção aos balidos de meus pequeninos irmãos de redil e de abrir os olhos ao que tão mal se disfarça, sei que aqui e ali no mundo inteiro os senhores bispos andam desatentos, descuidados, ou atentos e cuidadosos com o que não é de sua conta; se eu sei que tôdas as dioceses do mundo estão enfermas de reformismo, e portanto incapazes de levar a cabo reformas sérias, como se explica que Roma não saiba? Como se explica que assim se alimente a loucura dos loucos?

São Paulo fala de cócegas nos ouvidos quando se refere àqueles que entediados da sã e vera doutrina procuram novidades. Há no mundo católico de hoje uma universal coceira. O prurido das orelhas, de São Paulo, aplica-se às fantasias doutrinais. Outros serão os pruridos, outras as partes do corpo afetadas, se quisermos aplicar a ideia à dança de São Guido, ao frenesi sinistro que se apodera dos homens de Igreja.


* * *


No caso vertente, soma-se uma penosíssima impressão a todas as outras. Tudo parece conspirar — desde o preâmbulo desastroso que atravessou todos os crivos de Roma, a despeito dos gritos de dor do Cardeal Ottaviani — para extirpar dos fiéis a última noção do que seja a Santa Missa.


Com a estúpida introdução que define a missa como "assembleia dos fiéis"..., até a introdução de mais um pequenino vetor horizontalizante (a recíproca e divertida saudação mútua), a celebração da Santa Missa se afasta abismalmente daquele modelo essencial em que Deus quis marcar de um modo inesquecível a sua terrível solidão no momento máximo de nossa salvação.

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

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