Santa Rosa de Lima
- maybsantos
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Por Gustavo Corção publicado n’O Globo em 1971
COMEÇAMOS a semana com a festa da Padroeira da América Latina. O mês de agosto nos seus primeiros dias comemorou São Domingos, Confessor e fundador da Ordem dos Pregadores, cujas armas eram o escudo da Verdade e o Gládio da palavra de Deus e cuja missão, isto é, cuja prova do amor a Deus, devia traduzir-se em pregação e combate aos erros. A seus discípulos São Domingos recomendava que não abrissem a boca senão para falar de Deus; e a si mesmo São Domingos ensinou duramente a ordem que manda a carne obedecer ao espírito e ambos receberem a Deus. Foi uma das mais gloriosas ordens religiosas essa que São Domingos, agarrado ao SS. Rosário, nos deixou quando nasceu para o céu no dia 6 de agosto de 1221.
UM século depois de fundada, essa flor do monarquismo medieval, esse lírio de pureza, produziu o maior doutor da Igreja, Santo Tomás de Aquino, o Doutor Angélico que realizou a síntese de toda a elaboração teológica dos Padres, de Santo Agostinho, e de Santo Anselmo; e que além dessa imensa obra teológica, que no dia do Juízo será admirada pela última vez na Terra, antes de ser levada como "palha" a ser queimada no céu pelo fogo do divino Amor, ainda nos deixou o filial exemplo de uma santidade de criança, e o varonil exemplo de uma santidade de atleta que num só gesto, com um sinal da santa cruz traçado com um tição ardente, fechou definitivamente a porta por onde o demônio, o mundo e a carne quiseram desvirginar sua alma. É bom pensar na figura agigantada de Fr. Tomás que Fr. Reginaldo viu levemente suspensa no ar em colóquio com o Senhor Jesus. É bom imaginar uma esquina de Sena, e ver passar incendiada de amor divino a filha do tintureiro Benincasa, Catarina, 25ª filha do casal, moça de vinte e poucos anos que dava coragem aos papas vacilantes, força aos frades tímidos, coragem aos covardes, e ensinava que era preciso odiar o mal com os dentes. Morreu com trinta e poucos anos esmagada pelo peso da Navicella, e pedindo a misericórdia de Deus aos gritos. Foi canonizada, escolhida para padroeira da Itália e recentemente como doutora da Igreja.
E AGORA é doce acrescentar às glórias da Ordem dos Pregadores, nascida do coração de Domingos de Gusman, a Rosa que vai nascer no outro lado do Atlântico, no outro lado dos Andes. Um século depois da descoberta da América nasce em Lima, no Peru, a menina que desde muito cedo fez voto de virgindade, e, como sua irmã mais velha Catarina, recebeu o hábito preto e branco de mantelata, ou "terceira dominicana".
PASSOU sua curta vida em oração e penitência, e por isso mesmo foi duramente joeirada por Satanás, e sofreu calúnias e perseguições vencidas pela paciência, pelas mortificações e por uma extraordinária aceitação do sofrimento que Jesus lhe pedia que com Ele sofresse. Uma das feições características dessa Rosa dos Andes foi sua familiaridade com a Mãe de Deus e com seu Anjo da Guarda.
SANTA Rosa de Lima foi elevada pela Igreja às honras dos altares, e tornou-se Padroeira principal da América Latina.
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CORRENDO os olhos pelos livros e papéis espalhados em minha mesa vejo um boletim amarelo que me fala de "grupos de reflexão" destinados a enviar matéria para o sínodo do Povo de Deus, e das viagens do diretor do SCAI, vejo recortes de jornal onde se lê que a CNBB, num tópico intitulado "Justiça no Mundo", fala em injustiça internacional gerada pela simples existência de Imperialismo e de Neocolonialismo", queixa-se do poder das "macro empresas plurinacionais articuladas com empresas locais corroborando o subdesenvolvimento". Em outro ponto o redator do curioso e quase divertido documento queixa-se da "estrutura elitista que privilegia as minorias mais favorecidas às custas do sofrimento das massas". Em outro recorte leio um tópico em que o Cardeal Eugênio Saltes está apreensivo com a causa das crises da Igreja no Brasil, que seria a falta de preparação do clero, e acrescenta que essa causa de extrema gravidade é apontada pela CNBB. Mas o editorialista de "O Estado de São Paulo", de 24 de agosto p.p., observa muito sensatamente que, se estão despreparados para o seu próprio ofício homens que durante longos anos cursaram seminários, como se explica o desembaraço com que esses mesmos homens diariamente abordem — como agora o faz o Grupo de Reflexão — assuntos que nunca estudaram nos anos de seminário, e que só conhecem de oitiva. Já no editorial de O GLOBO, da mesma data, se esboça uma explicação dessa aparente contradição: O "estranho idioma" usado pelo Grupo de Trabalho da CNBB mostra que o documento não foi redigido por quem passou longos anos em seminários. O timbre, o sotaque, o "idioma", revelam a léguas de distância o Cavalo de Tróia. E aquele saboroso tópico sobre a "estrutura elitista", sim, leitor, "elitista", não consegue esconder as pontas das orelhas do professor Cândido Mendes.
EM outro recorte leio este primor de Dom Helder: "Devemos ter a coragem de, reconhecer que a preocupação por manter a autoridade e a ordem social nos levou a louvar as virtudes como a paciência e a aceitação de sacrifícios, que alimentaram um quase fatalismo e serviram para favorecer os opressores, contribuindo na prática a dar aparência de razão a Marx: a religião como ópio das massas."
E AGORA, no meio dos papéis, vejo um livro de um Alain Gheerbrant com o título L'Eglise Rebele D'Amerique Latine. Três retratos na capa: Camilo Torres, Paulo VI, Guevara. E ali à direita outro livro Théologie de la Revolution, de Joseph Comblin, dedicado a Dom Manuel Larrain e Dom Hélder Câmara. E aqui me detenho para perguntar ao leitor se ele percebe alguma semelhança entre esse palavrório ou esse papelório e aquela figura de lírio e de rosa que a Igreja de Jesus Cristo diz ser a padroeira da América Latina.
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EVIDENTE a diferença de idioma, como nota O GLOBO, ou a diferença de ruído entre esse psitacismo, e as palavras do antigo alfarrábio de dez anos atrás onde leio os louvores das virtudes de Santa Rosa de Lima e Santa Catarina de Sena — virtudes que Dom Helder atira no lixo com superior desdém.
O QUE é evidente, evidentíssimo, é que tudo isto que escrevem as denunciadores das "estruturas elitistas"... já não tem a mais remota semelhança com as virtudes e as mortificações dos santos, nem a menor lembrança de uma religião que tem no centro de sua pregação a loucura de um Deus crucificado.
NAS aparições de Salete, verdadeiras ou não, Nossa Senhora gemia dizendo que já não aguentava o braço de seu Filho. Eu imagino na Fé, que também pode valer-se de nossa imaginação, eu imagino que Catarina de Sena no Céu, com permissão de Deus, continua a clamar "miserere, miserere" ... e nos diz que já está rouca de implorar. E imagino Rosa de Lima no Céu, com permissão de Deus, a se mortificar em favor da pobre gente espalhada, perdida, e esquecida de seus padres e pastores nessa enorme e paupérrima América Latina. Santa Rosa de Lima, roga por nós. Amanhã [dia 3 de setembro], é festa de São Pio X. São Pio X, roga por nós.