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A Missa do Arcebispo



Por Gustavo Corção,

publicado n’O Globo em 12-04-1973


LEIO QUE o Sr. Arcebispo de São Paulo rezou, na Catedral da Sé, uma missa por alma de um jovem chamado Vannucchi. Até aqui a notícia não tem nenhuma especial cintilação, já que é próprio dos Arcebispos rezar missas, e eventualmente rezar missas de defunto. Mas duvido que exista um só leitor que, nesta altura, não esteja dizendo aos seus botões: — Inegavelmente é natural que um Arcebispo reze missa, mas quando essa missa se transforma em notícia de jornais de gregos e troianos, alguma singularidade humana se esconderá sob o sacrifício divino.


NO JORNAL de troianos noto certo realce relativo à alma merecedora de tal sufrágio: trata-se de uma alma que na vida terrestre animou o jovem Alexandre Vannucchi Leme, estudante da USP. Mas não nos parece que o Cardeal Arcebispo de São Paulo seja chamado a rezar missas de sétimo dia por todos os estudantes que morrem na Paulicéia. Terá alguma singularidade a morte de Alexandre Vannucchi Leme? Os jornais dos gregos noticiam, com todas as provas, que o infortunado moço morreu atropelado na Rua Bresser por um caminhão Mercedes Benz, ano de 1957, cor verde e branco, placa NT-6903. Esses detalhes constam das declarações do próprio motorista João Cacow lavradas na delegacia DOI/CODI/II — Ex no dia 20 de março do corrente ano.


NÃO CREMOS, todavia, que o fato de ter sido atropelado explique cabalmente a solicitude de Sua Eminência, porque então teria o purpurado de rezar cerca de 400 missas por dia, porque a tanto se eleva o número de vítimas na Paulicéia desvairada. Qual será então a outra singularidade?


NOS MESMOS documentos a que nos compeliu uma compreensiva curiosidade, vemos que a vítima saiu correndo desabaladamente fazendo roletas russas no meio do tráfego paulistano, que é conhecido como um dos mais mortíferos do mundo. Mas por que corria tão desabaladamente o infortunado jovem? A notícia é concisa e cruelmente apoiada em provas: o jovem Vannucchi fugia desabaladamente para escapar da Polícia. E por que fugia o infeliz jovem da Polícia? Porque fora preso como terrorista, membro da Aliança Libertadora Nacional.


E AGORA se explica tudo: a reunião do Conselho Diocesano de Presbíteros de Sorocaba, em 26 de março, sob a presidência do Sr. Bispo Diocesano Dom José Malhado Campos, e a missa concelebrada com o Cardeal Dom Evaristo Arns.


COLOQUEMO-NOS, leitor, na mais absoluta neutralidade neste caso do estudante Vannucchi no que diz respeito à suspeita de terrorismo, porque quanto à morte, a documentação que prova a causa acidental do atropelamento é abundante e irrefutável. Coloca-se agora a questão nestes termos: a Polícia teve indicações de atividades subversivas e prendeu o moço, o Bispo de Sorocaba e o Cardeal Arns ostensivamente colocam-se contra a Polícia, contra o Governo, e em nome dos “direitos do homem" defende cegamente e incondicionalmente o jovem Vannucchi que também é defendido incondicionalmente pelo jornal Opinião de orientação bem conhecida.


COM esse procedimento o Cardeal Arns quer fazer constar que a Revolução subversiva é uma invenção do Governo brasileiro, ou se é realidade, será uma desejável realidade para a derrubada do Governo brasileiro. Quer Dom Evaristo Arns, agora com chapéu de Cardeal, repetir o episódio do estudante Edson, morto no restaurante do Calabouço, por uma bala perdida. Quer voltar à baderna das passeatas. Quer sistematicamente favorecer os revolucionários comunistas, e sistematicamente desmoralizar o Governo brasileiro.


NA VERDADE, porém tudo parece provar que o mais furioso empenho do Cardeal Arns é o de desmoralizar a Igreja. Se não vejamos:


1. Aparece em São Paulo uma pantomima sacrílega escarnecendo tudo o que para um cristão é sagrado e adorável. Dom Arns corre a prestigiá-la e a aplaudi-la;


2. A CNBB, que fala em direitos humanos, com apoio dos bispos que querem por todos os meios perturbar o Governo brasileiro, reúne-se para ouvir o "teólogo" Boff que sobre Jesus Cristo só diz tolices anticatólicas;


3. Como alguns outros bispos do Brasil, e mundo, Dom Arns abre "um crédito de absoluta confiança" nos jovens contestatários, e faz o que pode para desmoralizar os órgãos de Segurança Pública.


ORA, nenhum desses pontos coincide com a milenar moral católica, e a sagrada doutrina intransigentemente defendida Igreja. Concluiremos irresistivelmente que o Cardeal Arns age sistematicamente contra o sentimento, a moral e a doutrina católica. Por outro lado, sabemos que nesse mundo de provação ninguém é infalivelmente e permanentemente católico: vivemos sempre com o perigo de sairmos da Igreja por perda da Fé. Cabe então perfeitamente a pergunta: Será católico quem toma tais atitudes? Dá o chapéu cardinalício alguma garantia de Fé e de Salvação? Sabemos que não. A mais pura doutrina nos responde que o chapéu não basta para fazer o católico, podendo bastar para os efeitos burocráticos e jornalísticos.


SANTA Catarina de Sena que em vida foi diretora de Papas e morta foi logo canonizada, e depois foi feita Padroeira da Itália, conheceu Cardeais que não eram católicos, e aos quais chamava "dimoni incarnati".


FALTANDO-ME a segurança carismática da grande Santa, não ouso dizer que Dom Evaristo Arns é um "dimoni incarnati", e, portanto, não é católico. O Papa é infalível em matéria de dogma quando fala ex-catedra, mas não é infalível em chapéus.

O QUE sei com convicção firme é que o Sr. Dom Evaristo Arns é para o Brasil e para os católicos de São Paulo uma pessoa não grata. E não me venham dizer, pelo amor de Deus, que estou aqui a faltar ao respeito devido às autoridades. Ao contrário, estou verberando um personagem que conspira para que a santa autoridade dos bispos deixe de ser respeitável. Não sou eu o desrespeitador.

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

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