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Sermões: 6º Domingo depois de Pentecostes (2014)

Sermão proferido por Dom Tomás de Aquino OSB. Desejou-se, tanto quanto possível, conservar em sua escrita a simplicidade da linguagem oral.

PAX VI Domingo depois de Pentecostes 2014

“Como quem acumula tesouros, assim é aquele que honra sua mãe” (Ecl. 3,5)

Assim fala a Sagrada Escritura e assim pretendo eu fazer aqui hoje neste sermão. Minha mãe aqui presente fará 90 anos amanhã. 90 anos é quase um século. Um século é nos conduzir a 1914, ano da morte de São Pio X e do início da Primeira Guerra Mundial.

“Tenho pena desta multidão”, diz Nosso Senhor no Evangelho de hoje. “Tenho pena”, diz minha mãe, “das gerações atuais, dos netos, dos amigos dos netos, dos bisnetos, dos amigos dos bisnetos, e dos amigos dos amigos de todos nós, enfim”. E por que tanta pena? Por que ter pena de nós? Tanta pena das gerações atuais e futuras?

É sobre isto que eu gostaria de lhes falar hoje e lhes dar algumas indicações que, queira Deus, possa lhes ser de alguma utilidade para suas almas. Não é só dos netos, mas dos filhos, não é só da juventude atual, mas dos de idade madura e dos anciãos que todos nós devemos ter pena, a começar por nós mesmos.

Nosso Senhor diz: “Tenho pena desta multidão”. “Se eu os abandono em jejum, eles perecerão no caminho”. Há um perigo, há um jejum, há uma morte da qual devemos ter pena e uma pena infinita. O perigo é o erro, o jejum é a falta de uma correção, a via é a orientação dada à vida e às decisões de cada um e o “perecer” é a perdição eterna das almas.

Nosso Senhor tem pena. “Misereor” – tenho pena, tenho misericórdia, mais precisamente. E por que misericórdia? Porque Ele tem o remédio.

Minha mãe, e digo aqui porque foi ela, ela com meu pai certamente, provavelmente, que deu ou a ordem ou o consentimento ou a aprovação para que minha mãe me levasse nas aulas de Gustavo Corção. Eu tinha 12 ou 13 anos. Nosso Senhor, através de meus pais, através de minha mãe, teve pena de mim. Que resultado tiveram estas aulas? Elas me levaram até um homem do qual Ele também tinha pena. Este homem, eu o vi ter nos olhos as lágrimas e na boca as palavras: “E as almas se perdem”.

E se perdem por quê? Porque, diz Nosso Senhor no Evangelho de hoje, “elas desfalecem no caminho”. Que caminho? O caminho da vida. E por que desfalecem? Porque lhes falta o alimento. Que alimento? A Verdade e os sacramentos. Não os sacramentos sem a Verdade, mas os sacramentos e a Verdade. Há uma ordem no ministério sacerdotal e esta ordem é a seguinte:

 Oração,

Pregação,

Sacramentos.

Os sacramentos vêm no fim, vêm por último. Primeiro vem a oração. São Pedro disse: “Nós, apostólicos, devemos nos ocupar de oração e de pregação”, e criou os diáconos para assegurarem os trabalhos. Por quê? Porque é preciso rezar para que Deus dê a sua graça sem a qual todos nós pereceremos. Depois é necessário pregar, ensinar, iluminar, porque se um cego conduz outro cego, ambos cairão no precipício e morrerão. Só depois então é que vem os sacramentos bem recebidos.

Corção, Gustavo Corção, me ensinou a oração pelo exemplo, ele que ia à missa todos os dias e rezava o terço dizendo: “Para nós leigos, nossa arma é o terço”. Para os religiosos também, devemos acrescentar: o terço, juntamente com o breviário, a missa, a meditação.

Mas Corção tinha algo do qual eu gostaria de lhes falar especialmente hoje. Corção tinha o amor da Verdade e o dom de ensiná-la. Desde o tempo em que minha mãe o conheceu no Centro Dom Vital, nos anos 40, até sua morte em 1978, Corção tomava por tema de suas aulas o Credo quase exclusivamente. Mas que podemos encontrar no Credo para preencher mais de um quarto de séculos de aulas?

O Credo é a fé, e a fé é a luz, e a luz é Nosso Senhor, e Nosso Senhor é a salvação, e a salvação é tudo porque é Deus conhecido, servido e amado neste mundo e honrado, contemplado face a face na eternidade. Através de Corção conheci Dom Lefebvre e através de Dom Lefebvre conheci melhor os erros modernos contra os quais Corção já havia me posto em guarda. Que lição tirar de tudo isso?

“Eu tenho misericórdia desta multidão”. E por quê? “Porque não tem alimento e sem alimento desfalecerão no caminho”, pois, acrescenta Nosso Senhor, “entre eles muitos vieram de longe”. Sim, nós viemos de longe. Viemos do pecado original. Viemos do lado oposto do Sol. Viemos do lado oposto de Nosso Senhor. Viemos do mundo moderno, filho da Revolução permanente que entra pelos poros da alma, que entra pelos olhos, pelos ouvidos, pelo nariz, pelo tato, pelo paladar, e sobretudo pela inteligência.

Corção, que foi muito próximo de minha mãe, escreveu a ela muitas cartas nas quais deixa transparecer sua bela alma. E o que vemos nesta alma? Vemos a mesma tristeza que deve ter todo verdadeiro católico ao contemplar a triste cena do mundo moderno. “Tenho pena, tenho misericórdia desta multidão”.

Ah! Caríssimos irmãos! Nós temos um tesouro que não devemos perder. Vigiai e orai para que o inimigo não venha lhes roubar este tesouro.

Honrar pai e mãe não é só fazer um bolo, acender uma vela e cantar parabéns. Honrar pai e mãe é ter a virtude da piedade para com aqueles que nos deram a vida. A vida se divide em duas, a corporal e a espiritual. Elas, na verdade, são uma só, ou devem ser uma só, para que Nosso Senhor não diga de nós o que disse de Judas: “Para este homem, melhor teria sido não ter nascido”. Para que isto não seja dito de nós, tenhamos a virtude da piedade que nos faz honrar, reverenciar nossos pais, estes que nos deram a vida corporal e nos ensinaram os rudimentos da vida espiritual, procurando que os outros também nos ensinassem a vida da alma que só a Santa Igreja Católica pode nos dar.

Caríssimo irmãos, e me dirijo especialmente aos meus irmãos e sobrinhos e a seus filhos, ouçam sua mãe e avó. Não digo que devam perguntar a ela qual foi a última de Dom Fellay ou de fulano ou de cicrano. Mas lhes digo, um século de história na história da Igreja é talvez pouco na grande história que veio de Adão até o Juízo Final, mas é muito na vida de uma pessoa. 90 anos, quase um século de experiência no dia a dia é alguma coisa:

– Gustavo Corção;

– Monsenhor Lefebvre;

– Monsenhor de Castro Mayer;

– Permanência;

– Pio XI;

– Segunda Guerra Mundial;

– Pio XII;

– Concílio Vaticano II;

– Missa Nova;

– Missa de sempre;

– Ordenações de Êcone;

– Sagrações dos Dom Lefebvre;

– Separação de Dom Gérard;

– Separação de Campos…

De tudo isso nossa mãe foi testemunha. Não digo que cabe a ela dar a última palavra, pois o ensino da Igreja pertence ao Papa, em primeiro lugar, aos bispos, depois aos padres e aos freis. Mas a ordem hierárquica não suprime a ordem das graças. Não honrem nossa mãe só com bolos, honrem-na escutando suas apreensões: “Tenho pena desta multidão”.Tenho pena ao ver nossa família ameaçada aqui e ali por doutrinas e atitudes novas que não foram as que nem o Corção, nem Dom Lefebvre e, sobretudo, nem São Pio X, ou melhor, a Santa Igreja, nos ensinaram.

A virtude da piedade é essencialmente tradicional. A piedade em relação a nossa mãe deve se elevar até à piedade em relação à Igreja e a Deus, fonte de todo ser, de toda vida, da vida eterna. Sei que não posso convencê-los com um sermão. Sei que só a graça divina pode lhes dar a luz da qual eu, em primeiro lugar, necessito. Mas penso que a lição da tristeza, da pena, da misericórdia deve ser guardada. Nas fotos tiradas de São Pio X se vê em seu olhar a mesma pena. Dizem que ele morreu de tristeza ao eclodir a Primeira Guerra Mundial, em 1914. Não sei se é verdade. A idade e outras causas certamente contribuíram, mas é certo que ele tinha uma pena profunda de nosso século, que anuncia tão fortemente o triunfo do Anticristo.

Dois amores fizeram duas cidades. O amor de Deus levado até o desprezo de si mesmo fez a cidade de Deus. O amor de si mesmo levado até o desprezo de Deus fez a cidade dos homens. Cidade do homem, religião do homem, eis o que este último século nos trouxe e de que queda progressiva minha mãe foi testemunha:

– queda na fé;

– queda no ensino;

– queda nos costumes, nas modas;

– queda na arte;

– queda na literatura;

– queda na música;

– queda na escultura;

– queda na arquitetura;

– queda no cinema;

– queda na amizade, forma delicada de caridade.

 De queda em queda o mundo se afasta de Deus. Uma testemunha deste processo é algo de precioso. Minha mãe, segundo o que se pode pensar, não viverá muitos anos ainda. Só Deus o sabe. Talvez, na sua misericórdia, Ele no-la guarde ainda até ela conhecer os netos de seus netos. Só Deus o sabe, mas uma coisa é certa: ela deverá partir como todos os filhos de Adão e Eva. Não esperem sua partida para dizer “eu perdi a ocasião de perguntar a ela o que ela, na sua experiência de um século, pensava do que estamos vivendo hoje”. Os cabelos brancos não são garantia de infalibilidade. Só a Igreja é infalível, mas minha mãe tem muito a dizer, sobretudo às moças de hoje.

Há um ensino que é próprio às mulheres e é o ensino doméstico, o ensino que se faz lavando a louça, lavando a roupa, ao pé do fogão, ou depois do almoço. Há uma sabedoria que os mais velhos têm e que os mais novos não têm. Não desdenhem essa sabedoria. Mesmo se minha mãe não lhes possa dizer se é Dom Fellay ou Dom Williamson que tem razão – embora ela talvez surpreenda mais de um nessa questão –, há outros temas a respeito dos quais ela lhes dirá verdades eternas, pois, como dizia um grande pregador, “o bom senso não perde nunca seus direitos”. E o mundo moderno, e nós com ele, morremos ou estamos moribundos, ou ao menos enfraquecidos pela falta de bom senso, que é uma das mais altas formas de sabedoria.

“Como quem acumula tesouros, assim é aquele que honra sua mãe”. Nossa Senhora é o trono da Sabedoria e tenho certeza absoluta de que ela diria às minhas sobrinhas e às filhas que elas terão: “Honrem sua avó, honrem sua bisavó, pois é assim que a tradição familiar se transmitirá”. E quantos erros há no modo de vida das moças de hoje!

A herança dos pais não são os bens materiais que eles nos deixam, mas muito mais, são os seus conselhos e as suas virtudes. E os conselhos da vó Teresa, se quiserem conhecê-los, escutem-na na serenidade de uma tarde tranquila, mas na qual a alma, voltando-se para Deus, pede auxílio a quem Ele pôs em nossas vidas para transmitir o que recebeu. Penso, ao dizer isso, não trair a memória e o ensinamento de nenhum daqueles que enriqueceram verdadeiramente a fé que minha mãe me transmitiu e que me fez guardar a Tradição que vem dos apóstolos e passando pelo magistério dos papas e que chega até nós no regaço de uma mãe ou nos conselhos de uma avó. Assim seja.

Dom Tomás de Aquino O.S.B.

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