As três imagens
- Mosteiro da Santa Cruz
- 21 de jul.
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Atualizado: 23 de jul.

Por Gustavo Corção,
publicado n’O Globo em 05 de junho de 1971
AFASTADA a figura, digo melhor, a caricatura progressista que nos apresenta uma Igreja caduca e esclerosada, outras imagens e alegorias se propõem para representar a situação Igreja-Mundo de nosso tempo. Uma delas, de que todos já nos valemos em várias ocasiões, é a do "Cavalo de Tróia", lançada por Dietrich von Hildebrand. Tempos atrás, a propósito do desastrado tópico VII da Introdução ao Novo Ordo, escrevi artigos que pareceram descabidos e irreverentes aos que não compreenderam que minhas apóstrofes se dirigiam ao Cavalo e não à Igreja. É claro que, em tempos normais, essa alegoria, e o uso que dela fiz, eram desaconselhados, e efetivamente feriam a prudência, mas a singularidade e a gravidade dos tempos que correm reside precisamente na existência de um cisma que não é cisma, ou na intromissão de um corpo estranho e inassimilável na Cidade de Deus, reside em suma numa impressão de dupla personalidade que (se possível fora) afetaria a própria unidade da Igreja. E o fiel atento, lúcido e amorosamente submisso à Igreja, fica sem saber, às vezes, se tal ou qual pronunciamento é relincho do Cavalo, ou verdadeiro conselho da Mãe e Mestra.
N0 CASO do famigerado ponto VII, qualquer católico alfabetizado e atento logo percebeu o embuste; mas infelizmente não são raras as situações equívocas, confusas, que dão vertigens, e que nos privam dos tradicionais recursos com que, durante vinte séculos, se valeram os católicos para descobrir as verdadeiras pegadas de Jesus, e para segui-las. Mas a imagem do corpo estranho e adverso dentro da Igreja tem o defeito de não resguardar a absoluta impenetrabilidade que o núcleo, o centro, o "dentro" da Igreja oferece aos seus inimigos, que lhe são sempre exteriores. A Igreja, no sentido próprio do termo, é una e santa. Admite em seu divino núcleo os membros fiéis, justos e pecadores; mas não admite os infiéis heréticos que, embora ainda pretendendo usar o nome de Jesus, não usam seu Sangue, sua Doutrina, como Ele a deixou sob a custódia da Igreja; e muito menos admite os infiéis apóstatas que se afastaram dos Dogmas e dos Mandamentos para viverem suas próprias leis.
A FIGURA que hoje temos diante dos olhos é a de uma Igreja circundada de inimigos orbitais, heréticos e apóstatas, que já não pertencem à Igreja, mas aparecem ligadas a Ela para efeitos publicitários e para confusão do mundo. Santo Tomás, com meridiana claridade (S. T. IIa IIae, q. 11, a. 3) diz que a heresia não deve ser tolerada: "Depois da primeira e segunda advertências, como ensina o apóstolo, a Igreja não pode mais esperar, em atenção à salvação dos outros, e deve excomungar o herético." E nós tornamos a dizer: essa severidade é um ato de mãe, um ato de amor pelos fiéis que seriam arrastados na perdição, e ato de amor para o próprio excomungado que assim, entregue ao mundo, irá comer bolota com os porcos, e terá saudades da casa do Pai.
A CONFUSÃO que turva a figura da Igreja vem de um enfraquecimento do exercício da autoridade que tolera demais, tolera indefinidamente as mais agressivas e insolentes infidelidades. E até os apóstatas, que por sua própria tendência se afastam de Deus e da Igreja, permanecem indefinidamente em situação orbital, em torno da Igreja, para ainda mais escurecer e caricaturar sua face. Por uma estranha e pervertida paixão, bem característica de nossos tempos, os apóstatas e heréticos não se contentam com a infidelidade própria que os encastela no individual orgulho, e querem numerosa companhia, querem "comunidade", querem "passeata", como se pudesse haver comunhão onde comanda o orgulho. Esses infelizes já se esqueceram que, no itinerário que seguem, há legião, mas não há comunhão.
A FIGURA deformada e irreconhecível do mais belo dos filhos do homem foi apontada por seu carrasco: "ecce homo". A Igreja também é flagelada e agoniza até o fim do mundo. Não são as chagas que lhe fazemos, nós mesmos que a sobrecarregamos com a tristeza infinita de não sermos santos, não são nossos pecados que a desfiguram, que a mascaram, que a tornam irreconhecível. Tudo isto compõe a imagem da mãe-dolorosa, que misteriosamente completa o que Cristo deixou por completar em sua Paixão. Tudo isto é normal dentro da tragédia divino-humana. O gemido, o sangue e a enfermidade são normais na Casa de Saúde, na Santa Casa da Misericórdia de Deus. O que ultrapassa os limites da Paixão e nos deixa entrever uma intromissão diabólica é esta situação em que a própria fisionomia da mãe flagelada nos aparece com deformações caricaturais que causam repulsa e pavor.
NÃO está apenas invadida e filtrada a Igreja de Cristo: está cercada, encoberta, fuliginosamente eclipsada para que as almas aflitas não vejam mais sua santa visibilidade. E já que a Igreja da Terra, por seus próprios levitas deixou de ser militante, para ser dialogante, marchante ou dançante, invoquemos nós os militantes do Céu, os santos anjos, comandados por São Miguel, poderosíssimo Príncipe dos exércitos do Senhor.
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NESSE meio tempo, torno a dizer, a legião de todos os demônios está interessada em sugerir ideias de tolerância, de complacência, de negligência, de indiferença — tudo isto adornado com nomes pomposos — porque é nesse oceano de amolecimentos que o naufrágio será maior.
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POR tudo isto estou convencido de que nosso tempo está sedento de uma espiritualidade forte de combate. Mas essa espiritualidade pode assumir dois aspectos, ao sabor de cada vocação. Para uns a luta será diretamente voltada, com dardos e chamas, contra os inimigos; para outros a luta tem a forma secreta e interior de agonia e de sofrimento. Esses se oferecerão como vítimas propiciatórias; aqueles exporão às flechas o coração de soldados de Cristo. E creio ouvir um rumor de preparos festivos, de esperanças viris, provocados por essa mobilização geral dos exércitos do Senhor.