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Participação Política


Por Gustavo Corção,

publicado n’O Globo em 18 de setembro de 1971


EM QUALQUER sociedade politicamente organizada, cada um de seus membros deve participar na grande tarefa comum que é a da promoção geral de uma vida melhor e mais dignamente vivida por todos. Esse é o primeiro princípio que rege um corpo político, o da ordenação de todas as atividades para o bem comum. Enunciado em termos tão amplos, esse princípio preceitua a atividade polarizada pelo bem comum, mas fica exposto a todas as ambiguidades e distorções com que poderíamos tecer a intrincada história dos maiores desacertos humanos. Aristóteles, num conhecido passo de sua Política, para bem frisar a importância do entrosamento de cada um na Polis, chega a fazer dele a diferença específica da humana essência dentro do gênero "animal": "o homem é o animal político".


ATAQUEMOS o problema com duas perguntas que condensam talvez a maior agressividade de toda a longa e tumultuosa história do pensamento político.


1ª Deverão todos se interessar da mesma maneira, e participar em grau igual?

2ª Deverão todos procurar atingir a máxima igualdade de participação?


SE QUISERMOS conhecer o depurado e sofrido pensamento da Igreja nessa matéria, devemos ler as grandes encíclicas dos papas que mais lutaram contra os erros do século, a começar por Pio IX, e consolidar nosso arcabouço da Filosofia e Teologia pela leitura dos grandes doutores da Igreja que, embora cuidando com zelo principal das coisas eternas, nunca desdenharam a condição terrena e temporal, por saberem que é aqui e agora, neste vale de lágrimas, que cada um, fazendo bom ou mau uso dos dons de Deus, constrói sua eternidade. Daí a imensa, a infinita importância da efêmera travessia onde parece que tudo passa, que tudo se perde, que tudo fica para trás, mas onde realmente fica o principal, nada de bom se perde, e todo o infinito de consequências se estende para a frente, para o alto, para Deus.


E AGORA vejamos como nos responde a sabedoria pagã ou cristã àquelas duas perguntas. Respondem com um vigoroso: Não! Porque o próprio da condição humana é a desigualdade de preparação e de sabedoria adquirida. A participação deverá ser proporcionada ao ponto da vida e às aptidões, e o afã de igualdade será nocivo à sociedade, e contrário ao fim procurado.


ENTRE as desigualdades de situação na vida tem hoje realce, e realce subvertido, a promoção dada à juventude e às "razões da idade" descobertas por Tristão de Athayde. Se alguém perguntar à Sabedoria se os jovens devem participar diretamente na atividade política ou se devem trazer desde já sua contribuição para a marcha dos acontecimentos, e se tiver ouvidos para tal voz ou tais ecos, ouvirá um clamoroso e enérgico: Não!


EIS o que dizia Pio XI, citado pelo Pe. Lallement (Príncipes Catholiques d'Action Civique, Deselée de Brouwer, Paris, 1935): "Os jovens espíritos, abertos a todas as espécies de iniciativas, não podem ficar indiferentes à grande obra que é a política. (...) Não devem ficar indiferentes. "Mas — diz ainda Pio XI — eles devem-se limitar, de início, a seus programas de preparação, a fim de poderem um dia trazer à sociedade sua contribuição madura de homem e de cristão."


"A POLITICA — diz agora Santo Tomás comentando Aristóteles — pede formação completa e grande experiência das condições e das dificuldades da vida humana. Os sábios do paganismo reconheciam que a atividade política não está ao alcance dos jovens."


FICARÃO então os estudantes universitários excluídos da lei geral da participação? — perguntará aflito um leitor amigo que não me quer ver caído em alguma contradição. Respondo: não, amado leitor, não ficam excluídos. Ao contrário, estão vigorosamente inseridos na árdua fase de preparação. O estudante moço só poderá mostrar honesta disposição cívica pelo ardor que põe no estudo. Mas quando digo estudo, é claro, é evidente que não pretendo limitar a preparação e o estudo ao currículo escolar. Em resumo: os moços não devem se lançar prematuramente, e sem adequada formação, na política partidária, mas devem desde cedo acompanhar a vida do mundo, das nações, das cidades, e devem, de todo esse material de observação e experiência, tirar desejos ardentes que alimentem as virtudes cívicas, e incentivem os estudos, e mais tarde produzam bons frutos.


* * *


MAS o mundo em que estamos vivendo neste crepúsculo de um século, que será marcado com o título de "século de grandes empilhamentos", nos propõe perguntas menos cândidas do que aquelas a que Pio XI, Leão XIII, Pio X e Santo Tomás responderam. Uma que me ocorre no topo de um artigo de alguma IIa, IIae de um Santo Tomás de pesadelo é a seguinte: "Num licet juventuti vacare in activitatibus subsersivis ad hoc inducta senioribus magistris?" Sim, a pergunta que em nosso século se impõe é se devem os velhos mestres induzir os moços à prática do assassinato e do roubo com pretexto de assim servirem à Justiça.


* * *


FICO com Aristóteles, que cito a meu modo: os jovens, antes de atuar e pressionar chefes políticos, devem crescer e aparecer. E quem pensar, como pensam hoje os "seniores magistri" de meu macarrônico pesadelo tomista, está na obrigação moral de chamar um primeiranista de Medicina quando lhe doer a própria barriga, já que recomenda ardorosamente tal intervenção quando dói a barriga dos pobres, "pauperum venter", como diria ainda meu personagem de um Gil Vicente de sábado chuvoso e triste.

 
 

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