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Participação Política

Atualizado: 26 de mai.


Por Gustavo Corção,

publicado n’O Globo em 18 de setembro de 1971


EM QUALQUER sociedade politicamente organizada, cada um de seus membros deve participar na grande tarefa comum que é a da promoção geral de uma vida melhor e mais dignamente vivida por todos. Esse é o primeiro princípio que rege um corpo político, o da ordenação de todas as atividades para o bem comum. Enunciado em termos tão amplos, esse princípio preceitua a atividade polarizada pelo bem comum, mas fica exposto a todas as ambiguidades e distorções com que poderíamos tecer a intrincada história dos maiores desacertos humanos. Aristóteles, num conhecido passo de sua Política, para bem frisar a importância do entrosamento de cada um na Polis, chega a fazer dele a diferença específica da humana essência dentro do gênero "animal": "o homem é o animal político".


ATAQUEMOS o problema com duas perguntas que condensam talvez a maior agressividade de toda a longa e tumultuosa história do pensamento político.


1ª Deverão todos se interessar da mesma maneira, e participar em grau igual?

2ª Deverão todos procurar atingir a máxima igualdade de participação?


SE QUISERMOS conhecer o depurado e sofrido pensamento da Igreja nessa matéria, devemos ler as grandes encíclicas dos papas que mais lutaram contra os erros do século, a começar por Pio IX, e consolidar nosso arcabouço da Filosofia e Teologia pela leitura dos grandes doutores da Igreja que, embora cuidando com zelo principal das coisas eternas, nunca desdenharam a condição terrena e temporal, por saberem que é aqui e agora, neste vale de lágrimas, que cada um, fazendo bom ou mau uso dos dons de Deus, constrói sua eternidade. Daí a imensa, a infinita importância da efêmera travessia onde parece que tudo passa, que tudo se perde, que tudo fica para trás, mas onde realmente fica o principal, nada de bom se perde, e todo o infinito de consequências se estende para a frente, para o alto, para Deus.


E AGORA vejamos como nos responde a sabedoria pagã ou cristã àquelas duas perguntas. Respondem com um vigoroso: Não! Porque o próprio da condição humana é a desigualdade de preparação e de sabedoria adquirida. A participação deverá ser proporcionada ao ponto da vida e às aptidões, e o afã de igualdade será nocivo à sociedade, e contrário ao fim procurado.


ENTRE as desigualdades de situação na vida tem hoje realce, e realce subvertido, a promoção dada à juventude e às "razões da idade" descobertas por Tristão de Athayde. Se alguém perguntar à Sabedoria se os jovens devem participar diretamente na atividade política ou se devem trazer desde já sua contribuição para a marcha dos acontecimentos, e se tiver ouvidos para tal voz ou tais ecos, ouvirá um clamoroso e enérgico: Não!


EIS o que dizia Pio XI, citado pelo Pe. Lallement (Príncipes Catholiques d'Action Civique, Deselée de Brouwer, Paris, 1935): "Os jovens espíritos, abertos a todas as espécies de iniciativas, não podem ficar indiferentes à grande obra que é a política. (...) Não devem ficar indiferentes. "Mas — diz ainda Pio XI — eles devem-se limitar, de início, a seus programas de preparação, a fim de poderem um dia trazer à sociedade sua contribuição madura de homem e de cristão."


"A POLITICA — diz agora Santo Tomás comentando Aristóteles — pede formação completa e grande experiência das condições e das dificuldades da vida humana. Os sábios do paganismo reconheciam que a atividade política não está ao alcance dos jovens."


FICARÃO então os estudantes universitários excluídos da lei geral da participação? — perguntará aflito um leitor amigo que não me quer ver caído em alguma contradição. Respondo: não, amado leitor, não ficam excluídos. Ao contrário, estão vigorosamente inseridos na árdua fase de preparação. O estudante moço só poderá mostrar honesta disposição cívica pelo ardor que põe no estudo. Mas quando digo estudo, é claro, é evidente que não pretendo limitar a preparação e o estudo ao currículo escolar. Em resumo: os moços não devem se lançar prematuramente, e sem adequada formação, na política partidária, mas devem desde cedo acompanhar a vida do mundo, das nações, das cidades, e devem, de todo esse material de observação e experiência, tirar desejos ardentes que alimentem as virtudes cívicas, e incentivem os estudos, e mais tarde produzam bons frutos.


* * *


MAS o mundo em que estamos vivendo neste crepúsculo de um século, que será marcado com o título de "século de grandes empilhamentos", nos propõe perguntas menos cândidas do que aquelas a que Pio XI, Leão XIII, Pio X e Santo Tomás responderam. Uma que me ocorre no topo de um artigo de alguma IIa, IIae de um Santo Tomás de pesadelo é a seguinte: "Num licet juventuti vacare in activitatibus subsersivis ad hoc inducta senioribus magistris?" Sim, a pergunta que em nosso século se impõe é se devem os velhos mestres induzir os moços à prática do assassinato e do roubo com pretexto de assim servirem à Justiça.


* * *


FICO com Aristóteles, que cito a meu modo: os jovens, antes de atuar e pressionar chefes políticos, devem crescer e aparecer. E quem pensar, como pensam hoje os "seniores magistri" de meu macarrônico pesadelo tomista, está na obrigação moral de chamar um primeiranista de Medicina quando lhe doer a própria barriga, já que recomenda ardorosamente tal intervenção quando dói a barriga dos pobres, "pauperum venter", como diria ainda meu personagem de um Gil Vicente de sábado chuvoso e triste.

*Os artigos publicados de autoria de terceiros não refletem necessariamente a opinião do Mosteiro da Santa Cruz e sua publicação atêm-se apenas a seu caráter informativo.

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