A Educação Sexual
- maybsantos
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Por Gustavo Corção publicado n’O Globo em 2 de outubro de 1971
DIFUNDIU-SE no mundo inteiro uma ideia que parece clara como a luz do sol: deve-se iniciar a criança nas coisas do sexo, para evidenciar a naturalidade delas e para evitar que, por omissão ou inabilidade dos pais, a iniciação sexual se realize na rua, nas más companhias, e já na base da pornografia, ou se aprisione num tabu neurotizante.
EM primeiro lugar é um pouco tola a suposição de que os pais, até anteontem, jamais souberam transmitir aos filhos uma discreta iniciação dos problemas morais e físicos relativos ao sexo. Em segundo lugar é ainda mais tola e mais falsa a ideia de que a iniciação feita em termos de completa naturalidade e de pacífica objetividade seja melhor do que a furtiva iniciação feita no arcano das más companhias. E aqui, antes que o leitor imagine que enlouqueci, tomo o caso concreto de um livro intitulado Caminhos de Deus Caminhos dos Homens, de Ruiz Gopegui, edições Loyola. Trata-se de mais um novo "catecismo" um pouco menos chocante do que as fichas catequéticas produzidas pelo ISPAC, mas nem por isso menos afastado da verdadeira doutrina da Salvação pela qual Jesus deu o seu Sangue. O livro do Pe. Ruiz (verifico agora que o autor é padre) é mais entremeado de alusões clássicas à Virgem Santíssima- e aos santos, do que as brutais experiências anteriores de inspiração análoga, mas nem por isso é menos horizontalizado, e secularizado. Já no cap. 2 vemos a "longa história da vida" a recobrir cuidadosamente a ideia que está no primeiro artigo do Credo: "Creio em Deus Pai Todo Poderoso Criador do Céu e da Terra". O livro do Pe. Ruiz, como num compêndio de História Natural, menciona a Formação da Terra, a Aparição da vida, e finalmente a aparição do Homem. Na pág. 26 o autor põe na conta das Sagradas Escrituras que "Deus cria o homem para dominar o mundo e para ser o Senhor do mundo". E logo abaixo dessa aposentadoria de Deus o Pe. Ruiz lembra os progressos do homem e irresistivelmente cai de joelhos diante do astronauta. Corro as páginas à procura da dimensão divina e detenho-me um minuto na leitura do cap. 14 pomposamente intitulado: A ESPERANÇA DA IGREJA. Vejamos qual é a esperança "que a Igreja apresenta aos homens" (pág. 120), e que é também a esperança que a Igreja oferece ao mundo: uma esperança neste mundo e deste mundo. É verdade que na página 122 o autor diz: "Mas a Igreja vai mais longe ainda", e aí o autor emenda a esperança de vida eterna na esperança temporal, sem nenhum cuidado de assinalar a transcendência da ordem sobrenatural que já aqui e agora começa na vida da graça e nas vias da santidade.
UM livro de tão secularizado cristianismo não poderia, evidentemente, ser parcimonioso em matéria de anatomia, fisiologia e ginecologia. Lá está o cap. 4 todo dedicado à educação sexual, para lembrar que a Vida é um dom de Deus e que portanto todo o processo de geração da vida é maravilhoso. E daí, suspenso na sublimidade das coisas naturais (agora com o aval de Deus em cada página), o autor coloca todo o problema de sexo no quadro genesíaco, físico e metafísico — mas fora do universo moral. Não perde três linhas para explicar que este ponto tão vivo e candente de nosso corpo é foco das mais veementes turbulências da alma e que por isso, em relação a ele, devemos ser especialmente vigilantes e cuidadosos. Creio que não li uma só vez a palavra "castidade" neste capítulo onde, para conjurar definitivamente o tabu do sexo, o autor mostra um microscópio, um esquema da fecundação e desenhos esquematizados dos órgãos genitais. Fala-se muito em Deus e em Amor nesse capítulo dedicado ao ponto mais sensível de nossa pobre carne. E o que me choca mais nesse capitulo é justamente o falso e cruel amor abstrato desse padre que, no entusiasmo ginecológico, esquece-se da pobre miséria humana que está a esmolar amparos, e esquece-se dos mandamentos de Deus que estão estampados na casca do planeta, na pedra, para serem obedecidos.
E AQUI volto ao que disse atrás e que deixou meu leitor num suspense penoso. Sim, volto a dizer que as experiências feitas na rua, nas más companhias, são menos deformantes do que esse plácido amoralismo avalizado pelo nome de Deus e pelo microscópio. Porque nessas tristes e humilhantes experiências furtivas do sexo, perversos e pervertidos sabem que, para o mal e para o bem, estão imersos num universo moral. Sim, digo e repito com todos os Marmeladofs do mundo que a miséria sofrida, que o pecado escondido, que o temor e tremor são infinitamente mais educativos do que essa plácida e sublime naturalidade que teve o nihil obstat de Belo Horizonte, como o Pasquim teve o nihil obstat da Guanabara.
QUINTA-FEIRA escrevi uma Introdução ao Tratado sobre a Intelligentzia ou a Burrizia do progressismo católico. Um dos oitenta volumes que obra de tal vulto exige seria consagrado à coleção de tolices que se dizem em torno da educação sexual. Uma delas é esta que tão ostensivamente ignora que pior companhia do que todos os moleques da rua são esses catequistas que tão tranquilamente deixam o uso do sexo fora da ordem moral. É terrível pensar a profundidade da tolice que leva um autor católico, um padre, a escrever tantas vezes a palavra amor sem uma só vez submeter o que pensa ser amor à santa vontade de Deus, regra e fonte do verdadeiro amor.