Por Dom Williamson
Número DCCCLXXXVIII (888) – 20 de julho de 2024
COMENTÁRIO DE VIGANÒ
“Não fale de tantas coisas tristes – eu não aguento!”
O fim do mundo que nega a realidade é uma grande esperança.
Na semana passada, estes “Comentários” (de 13 de julho, n. 887) forneceram um resumo da longa justificação do Arcebispo Viganò, publicada em 28 de junho, relacionada à sua decisão de não responder a uma intimação da Neoigreja para comparecer perante um dos tribunais dela para defender-se da acusação de cisma. O resumo, que é composto por 44 linhas, uma linha para cada um dos 44 parágrafos do texto original, dá aos leitores ao menos uma visão geral de todo o conteúdo do texto do Arcebispo, mas praticamente não comenta o que ele escreveu, exceto no dístico inicial:
Com alguns dos argumentos pode-se não concordar,
Mas aqui está um espírito católico, fiel e livre.
Nos “Comentários” desta semana, vamos aprofundar-nos no veredicto dessa rima da semana passada.
A primeira coisa que se nota no texto original é a sua riqueza de argumentos, não organizados em uma sequência claramente reconhecível, mas todos relacionados com a mensagem central e mais valiosa do Arcebispo: a chamada “renovação” do Vaticano II (1962-1965) produziu uma transformação tão profunda na Igreja Católica que, embora as aparências da Igreja pré-conciliar pudessem ser mantidas para enganar os católicos que não estavam bastante atentos, a substância da Igreja Católica foi tão alterada que já não era mais a verdadeira Igreja, mas uma igreja falsa e astuta; tão radicalmente falsa, que teve de receber um novo nome para que os católicos não fossem mais enganados. Dom Viganò mesmo não a chama Neoigreja, mas é assim que a chamam estes “Comentários”, por questão de brevidade e clareza.
Então, não é difícil dizer qual foi a principal razão de o Arcebispo Viganò ter recusado a convocação de Roma: entre a Neoigreja e a verdadeira Igreja existe uma tal contradição (13) que, embora a verdadeira Igreja tenha uma Autoridade divina tal que pode exigir das almas obediência sob a pena da condenação eterna (Mc. XVI, 16), pelo contrário, a Neoigreja não tem tal autoridade, porque, com todas as suas falsas doutrinas, renunciou àquela Verdade Católica, cuja defesa e proteção é o próprio propósito da Autoridade Católica divina.
Desde o momento em que Adão e Eva caíram, a humanidade passou a viver em um mundo decaído onde a Verdade de Deus já não precisava apenas de ser apresentada para que fosse aceita.
Mas quando o Verbo se fez carne, cerca de 4.000 anos depois, a humanidade havia-se tornado tão corrupta que, para salvar um número significativo de almas, Nosso Senhor teve de instituir uma hierarquia para impor a Verdade salvífica: um Papa (Pedro), bispos (apóstolos) e padres (discípulos). Os homens ainda poderiam optar por desobedecer à própria hierarquia e à Verdade de Deus, mas a Sua hierarquia continuaria a sustentá-la massivamente – até que Lutero libertasse novamente a corrupção, que culminou no Vaticano II, onde a própria hierarquia de Nosso Senhor abandonou massivamente a Verdade de Deus.
Essa divisão entre a Verdade de Deus e a Autoridade de Deus causou, certamente, uma crise sem precedentes em toda a história da Igreja, para além de qualquer possibilidade de reparação humana, e por isso só Deus será capaz de restaurar o Seu Papado. Mas Ele o fará, para tornar possível um último triunfo da Igreja Católica, antes do descenso ao Anticristo.
Eis a realidade básica da nossa situação na Igreja e no mundo hoje. O Arcebispo Lefebvre reconheceu-a e, ao não subestimar o problema, fez o que ainda era humanamente possível para atenuá-la. O Arcebispo Viganò cita o seu exemplo (2), e faz o que pode para segui-lo, recusando-se, por exemplo, a comparecer à convocação da Roma apóstata, com uma riqueza de argumentos para justificar a sua recusa. Pode-se discordar de alguns desses seus argumentos, por exemplo, sobre a Sé vacante em Roma. Mas estes são detalhes que se empalidecem diante da compreensão da gravidade geral da crise, que anula a autoridade da hierarquia. Eis a verdadeira fé dos mártires da Igreja ao longo dos tempos. Que a coragem e o ensinamento do Arcebispo Viganò abram muitos mais olhos enquanto Deus lhe der vida.
Kyrie eleison.